Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

28 de fev. de 2015

Ação de interdição


Não faz muito que interroguei o “Seo” João. Portador de retardo mental grave desde o nascimento, ele vem sendo cuidado por uma tia. Foi aí que surgiu a inspiração para escrever. O contato foi marcante... inesquecível... João conseguiu se expressar relativamente bem e sorriu bastante... Para a minha satisfação, é corinthiano! Quando lhe perguntei se gostava de viver com a tia, ele comentou: “Quero ter uma companheira... Todo mundo pode né? Então também posso!”. Foi comovente ver aquele senhor de mais de 60 anos acomodado em cadeira de rodas, mesmo consciente de todas as suas limitações, ainda acreditando que poderia viver um grande amor!!! Ao comentar isso em casa, meus olhos lacrimejaram... As oitivas de interditandos, muitas vezes realizadas nas próprias residências por conta de dificuldades de locomoção (quando então normalmente deparo com aparato hospitalar e constato a dedicação de familiares ao bem-estar dos enfermos), são comoventes e de certa forma me motivam a relevar preocupações corriqueiras e a valorizar a minha saúde...
O Código Civil estabelece que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Por exemplo, pode contrair empréstimos, alienar patrimônio e contratar de uma forma geral.
Mas pode ser que, atingida a maioridade, por uma circunstância qualquer, a pessoa não tenha discernimento suficiente para a prática dos tais atos ou de parte deles. Pode ser também que adquira e venha a perder essa capacidade, por ex., quando a doença surge na fase adulta.
Isso pode acontecer com portadores de esquizofrenia e Mal de Alzheimer, dependentes de álcool ou drogas que desenvolvem anomalias psíquicas, vítimas de acidente vascular cerebral, portadores de sequelas de traumas (acidentes de trânsito, agressões etc.), entre outros. Cabe interdição também do surdo-mudo que não consiga exprimir a sua vontade (muito embora tenha discernimento) e do pródigo (aquele que não tem controle sobre o patrimônio, ou seja, faz negócios ruinosos).
Nesses casos, pode surgir a necessidade de manejo da ação de interdição, que, em linhas gerais, tem por objetivo o reconhecimento judicial da incapacidade (e do seu grau) e da necessidade de o incapaz passar a ser acompanhado por um curador para todos ou alguns tipos de atos.
Os artigos 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil tratam da tramitação. A interdição pode ser requerida por parentes próximos, pelo cônjuge e pelo Ministério Público. O Judiciário avaliará se o interditando é incapaz para reger a sua pessoa e administrar os seus bens. O juiz deverá interrogá-lo para saber da sua vida e do seu patrimônio, isso se ele conseguir se manifestar. Tento sempre apurar se o relacionamento entre interditando e pretenso curador é bom e se ele está sendo devidamente assistido. A lei prevê exame médico, mas se a incapacidade for visível, entende-se que pode ser fundamentadamente dispensado pelo juiz. A sentença é inscrita no registro civil e editais são publicados com o fito de se presumir que o que foi decidido se tornou de conhecimento público. Normalmente concedo ao curador apenas poderes para administrar eventuais bens do curatelado, mas vedo alienação ou oneração do patrimônio. Quando houver necessidade disso, todavia, o juízo pode ser instado a autorizar.
Ao analisar interdição de menor de 18 anos eu já decidi pela impossibilidade jurídica do pedido. Não é necessário declarar a incapacidade de quem a própria lei já classificou como incapaz, ainda por cima de forma absoluta, como no caso dos menores de 16 anos (art. 3º do Código Civil). A curatela (representação do interditado pelo curador), ao mesmo tempo em que protege o incapaz, não deixa de ser uma restrição ao exercício dos atos da vida civil e deve ser compreendida nos seus exatos termos. Não há previsão, no ordenamento, de curatela de adolescente. Afinal, ainda que seja mental e fisicamente perfeito, não pode mesmo praticar sozinho os tais atos. A curatela dos interditos se destina a proteger pessoas cuja incapacidade não resulta da idade.
Em muitos casos a pessoa incapaz para prover o próprio sustento poderá ter direito ao benefício assistencial ao deficiente e por isso é sempre interessante que familiares promovam a sua interdição para pleitearem favores legais e se precaverem de problemas que possam derivar de atos praticados sem acompanhamento.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 26/2/2015 e no Correio de Lins de 27/2/2015)