Não faz muito que interroguei o “Seo” João. Portador de
retardo mental grave desde o nascimento, ele vem sendo cuidado por uma tia. Foi
aí que surgiu a inspiração para escrever. O contato foi marcante...
inesquecível... João conseguiu se expressar relativamente bem e sorriu
bastante... Para a minha satisfação, é corinthiano! Quando lhe perguntei se
gostava de viver com a tia, ele comentou: “Quero ter uma companheira... Todo
mundo pode né? Então também posso!”. Foi comovente ver aquele senhor de mais de
60 anos acomodado em cadeira de rodas, mesmo consciente de todas as suas
limitações, ainda acreditando que poderia viver um grande amor!!! Ao comentar
isso em casa, meus olhos lacrimejaram... As oitivas de interditandos, muitas
vezes realizadas nas próprias residências por conta de dificuldades de
locomoção (quando então normalmente deparo com aparato hospitalar e constato a
dedicação de familiares ao bem-estar dos enfermos), são comoventes e de certa
forma me motivam a relevar preocupações corriqueiras e a valorizar a minha
saúde...
O Código Civil estabelece que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a
pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Por exemplo,
pode contrair empréstimos, alienar patrimônio e contratar de uma forma geral.
Mas pode ser que, atingida a maioridade, por uma
circunstância qualquer, a pessoa não tenha discernimento suficiente para a
prática dos tais atos ou de parte deles. Pode ser também que adquira e venha a
perder essa capacidade, por ex., quando a doença surge na fase adulta.
Isso pode acontecer com portadores de esquizofrenia e Mal
de Alzheimer, dependentes de álcool ou drogas que desenvolvem anomalias
psíquicas, vítimas de acidente vascular cerebral, portadores de sequelas de
traumas (acidentes de trânsito, agressões etc.), entre outros. Cabe interdição
também do surdo-mudo que não consiga exprimir a sua vontade (muito embora tenha
discernimento) e do pródigo (aquele que não tem controle sobre o patrimônio, ou
seja, faz negócios ruinosos).
Nesses casos, pode surgir a necessidade de manejo da ação
de interdição, que, em linhas gerais, tem por objetivo o reconhecimento
judicial da incapacidade (e do seu grau) e da necessidade de o incapaz passar a
ser acompanhado por um curador para todos ou alguns tipos de atos.
Os artigos 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil
tratam da tramitação. A interdição pode ser requerida por parentes próximos,
pelo cônjuge e pelo Ministério Público. O Judiciário avaliará se o interditando
é incapaz para reger a sua pessoa e administrar os seus
bens. O juiz deverá interrogá-lo para saber da sua vida e do seu patrimônio,
isso se ele conseguir se manifestar. Tento sempre apurar se o relacionamento
entre interditando e pretenso curador é bom e se ele está sendo devidamente
assistido. A lei prevê exame médico, mas se a incapacidade for visível,
entende-se que pode ser fundamentadamente dispensado pelo juiz. A sentença é
inscrita no registro civil e editais são publicados com o fito de se presumir
que o que foi decidido se tornou de conhecimento público. Normalmente concedo
ao curador apenas poderes para administrar eventuais bens do curatelado, mas
vedo alienação ou oneração do patrimônio. Quando houver necessidade disso,
todavia, o juízo pode ser instado a autorizar.
Ao analisar interdição de menor de 18 anos eu já decidi
pela impossibilidade jurídica do pedido. Não é necessário declarar a
incapacidade de quem a própria lei já classificou como incapaz, ainda por cima
de forma absoluta, como no caso dos menores de 16 anos (art. 3º do Código
Civil). A curatela (representação do interditado pelo curador), ao mesmo tempo
em que protege o incapaz, não deixa de ser uma restrição ao exercício dos atos
da vida civil e deve ser compreendida nos seus exatos termos. Não há previsão,
no ordenamento, de curatela de adolescente. Afinal, ainda que seja mental e
fisicamente perfeito, não pode mesmo praticar sozinho os tais atos. A curatela
dos interditos se destina a proteger pessoas cuja incapacidade não resulta da
idade.
Em muitos casos a pessoa incapaz para prover o próprio
sustento poderá ter direito ao benefício assistencial ao deficiente e por isso
é sempre interessante que familiares promovam a sua interdição para pleitearem favores
legais e se precaverem de problemas que possam derivar de atos praticados sem
acompanhamento.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
Twitter @adrianoponce10
(publicado no Diário de Penápolis de 26/2/2015 e no
Correio de Lins de 27/2/2015)