Os
noticiários esportivos, vez ou outra, retratam situações de violência ocorridas
durante competições esportivas, mas nem sempre as torcidas são as protagonistas
das confusões.
Alguns
desentendimentos costumam envolver atletas e árbitros, atletas e seus
adversários, e até mesmo, com menor freqüência, atletas de uma mesma equipe.
Quem não se recorda do empurrão que Romário deu no rosto de um colega de
equipe...
Mas
como fica a questão da responsabilização penal dos envolvidos? E as lesões
decorrentes de jogadas desleais? E as fraturas acidentais?
O
contato físico é inerente a algumas modalidades de esportes como o futebol, o hockey,
o basquete e o judô. Em outras modalidades ele é obrigatório, como ocorre no
boxe; noutras, inexistente (tênis, vôlei etc.).
O perdedor de uma luta de boxe, por
exemplo, ao receber a notícia de que foi derrotado, pode procurar a Delegacia
para reclamar dos socos que recebeu durante o embate? É evidente que não...
Quando opta pela prática do esporte, cada boxeador já tem conhecimento prévio
da possibilidade de sofrer lesões durante as competições, e implicitamente se
sujeita a receber algumas (ou muitas) pancadas. É um esporte que
particularmente não me agrada, um tanto quanto difícil de se assistir...
Toda
agressão ocorrida durante a prática de um esporte deve ser analisada à luz do
seu regulamento. Se ela ocorreu involuntariamente, nos limites estabelecidos
pelas regras do jogo, não há que se falar em crime ou contravenção.
Se,
contudo, o atleta apontado como agressor tiver extrapolado involuntariamente os
limites, ou tiver agido como dolo, com intenção de ferir, deverá responder
criminalmente. Como exemplo podemos mencionar o violento soco recebido por um jogador
de futebol gaúcho que sofreu traumas neurológicos cujas seqüelas se prolongam
até os dias atuais. Também praticará lesão corporal o boxeador que investir
sobre seu adversário durante os intervalos entre os rounds. Agredir o
juiz não está nas regras, e sempre configurará infração penal...
As
práticas esportivas são regulamentadas pelo Poder Público, e as regras devem
ser observadas. Cada ato que vá além do permitido é passível de
responsabilização culposa (por negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosa
(intencionalmente).
O
Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que o excesso durante a defesa
pode não ser censurável, ou seja, pode ser tolerado pelo Direito, quando deriva
de justificável medo, surpresa ou perturbação de ânimo.
De
qualquer forma, danos à integridade física ou à vida ocorridos durante a
estrita observância dos regulamentos constituem exercício regular de direito.
Como bem salienta Julio Fabbrini Mirabete (Código Penal Interpretado, Ed.
Atlas), se o Estado autoriza, regulamenta e até incentiva a prática de
esportes, não pode punir aqueles que, exercitando um direito, acabam causando
dano.
E
os xingamentos? Os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) exigem
que o ofensor esteja movido por específica intenção de atingir a dignidade do
ofendido. Nossos Tribunais já decidiram que se a ofensa tiver sido fruto de
incontinência verbal, provocada por explosão emocional ocorrida em acirrada
discussão, não se configura crime contra a honra. O juiz poderá deixar de
aplicar a pena quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a
injúria; ou no caso de retorsão imediata que consista em outra injúria. Pode
haver, portanto, isenção da pena àquele que, por irritação ou ira justificada,
ofende o provocador ou injuriador. Já imaginaram se todos os palavrões e
xingamentos tivessem que ser registrados? Ao lado do Morumbi precisaríamos
disponibilizar dezenas de Delegados e Escrivães de Polícia para o interminável
trabalho (principalmente quando o “Timão” estivesse jogando, diante da
“dor-de-cotovelo” que desperta nas demais torcidas – brincadeirinha!).
É
evidente que cada caso deverá ser minuciosamente analisado para que os
envolvidos não se aproveitem da citada interpretação da lei para ofender,
lesionar ou provocar seus desafetos. Cada caso é um caso... O jogador não pode,
por exemplo, mostrar cartão amarelo para o árbitro.
O
que importa, no entanto, é que os atletas e principalmente as torcidas estejam
conscientes de que o objetivo dos encontros, mais do que vencer, é interagir,
se divertir, confraternizar, promover a saúde, afinal, o esporte não tem
contra-indicações. Agindo desta forma, proporcionarão “descanso” às “segundas
mamães” dos árbitros, bandeirinhas, treinadores, jogadores, comentaristas,
jornalistas, policiais etc.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado
de Polícia, Diretor da Cadeia Pública e da 37ª Ciretran de Getulina(SP)
(texto
publicado na edição de 19/07/2003 do jornal “Espaço Notícias”)