Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

21 de fev. de 2015

Violência no esporte


Os noticiários esportivos, vez ou outra, retratam situações de violência ocorridas durante competições esportivas, mas nem sempre as torcidas são as protagonistas das confusões.
Alguns desentendimentos costumam envolver atletas e árbitros, atletas e seus adversários, e até mesmo, com menor freqüência, atletas de uma mesma equipe. Quem não se recorda do empurrão que Romário deu no rosto de um colega de equipe...
Mas como fica a questão da responsabilização penal dos envolvidos? E as lesões decorrentes de jogadas desleais? E as fraturas acidentais?
O contato físico é inerente a algumas modalidades de esportes como o futebol, o hockey, o basquete e o judô. Em outras modalidades ele é obrigatório, como ocorre no boxe; noutras, inexistente (tênis, vôlei etc.).
O perdedor de uma luta de boxe, por exemplo, ao receber a notícia de que foi derrotado, pode procurar a Delegacia para reclamar dos socos que recebeu durante o embate? É evidente que não... Quando opta pela prática do esporte, cada boxeador já tem conhecimento prévio da possibilidade de sofrer lesões durante as competições, e implicitamente se sujeita a receber algumas (ou muitas) pancadas. É um esporte que particularmente não me agrada, um tanto quanto difícil de se assistir...
Toda agressão ocorrida durante a prática de um esporte deve ser analisada à luz do seu regulamento. Se ela ocorreu involuntariamente, nos limites estabelecidos pelas regras do jogo, não há que se falar em crime ou contravenção.
Se, contudo, o atleta apontado como agressor tiver extrapolado involuntariamente os limites, ou tiver agido como dolo, com intenção de ferir, deverá responder criminalmente. Como exemplo podemos mencionar o violento soco recebido por um jogador de futebol gaúcho que sofreu traumas neurológicos cujas seqüelas se prolongam até os dias atuais. Também praticará lesão corporal o boxeador que investir sobre seu adversário durante os intervalos entre os rounds. Agredir o juiz não está nas regras, e sempre configurará infração penal...
As práticas esportivas são regulamentadas pelo Poder Público, e as regras devem ser observadas. Cada ato que vá além do permitido é passível de responsabilização culposa (por negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosa (intencionalmente).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que o excesso durante a defesa pode não ser censurável, ou seja, pode ser tolerado pelo Direito, quando deriva de justificável medo, surpresa ou perturbação de ânimo.
De qualquer forma, danos à integridade física ou à vida ocorridos durante a estrita observância dos regulamentos constituem exercício regular de direito. Como bem salienta Julio Fabbrini Mirabete (Código Penal Interpretado, Ed. Atlas), se o Estado autoriza, regulamenta e até incentiva a prática de esportes, não pode punir aqueles que, exercitando um direito, acabam causando dano.
E os xingamentos? Os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) exigem que o ofensor esteja movido por específica intenção de atingir a dignidade do ofendido. Nossos Tribunais já decidiram que se a ofensa tiver sido fruto de incontinência verbal, provocada por explosão emocional ocorrida em acirrada discussão, não se configura crime contra a honra. O juiz poderá deixar de aplicar a pena quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; ou no caso de retorsão imediata que consista em outra injúria. Pode haver, portanto, isenção da pena àquele que, por irritação ou ira justificada, ofende o provocador ou injuriador. Já imaginaram se todos os palavrões e xingamentos tivessem que ser registrados? Ao lado do Morumbi precisaríamos disponibilizar dezenas de Delegados e Escrivães de Polícia para o interminável trabalho (principalmente quando o “Timão” estivesse jogando, diante da “dor-de-cotovelo” que desperta nas demais torcidas – brincadeirinha!).
É evidente que cada caso deverá ser minuciosamente analisado para que os envolvidos não se aproveitem da citada interpretação da lei para ofender, lesionar ou provocar seus desafetos. Cada caso é um caso... O jogador não pode, por exemplo, mostrar cartão amarelo para o árbitro.
O que importa, no entanto, é que os atletas e principalmente as torcidas estejam conscientes de que o objetivo dos encontros, mais do que vencer, é interagir, se divertir, confraternizar, promover a saúde, afinal, o esporte não tem contra-indicações. Agindo desta forma, proporcionarão “descanso” às “segundas mamães” dos árbitros, bandeirinhas, treinadores, jogadores, comentaristas, jornalistas, policiais etc.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia, Diretor da Cadeia Pública e da 37ª Ciretran de Getulina(SP)
(texto publicado na edição de 19/07/2003 do jornal “Espaço Notícias”)