É
evidente que o termo um tanto quanto coloquial demais foi utilizado no título
tão-somente para chamar a atenção (e até porque foi assim que se pronunciou uma
pessoa que nos procurou recentemente), mas será que o marido detém o direito de
manter relacionamento sexual com a esposa no momento em que bem entender?
Não
é bem dessa maneira...
Não
foi assim que pensava um indivíduo que chegou a agredir sua companheira na
cidade de Guarantã(SP).
O
casal havia se desentendido na noite anterior e por volta das 06 horas da
manhã, quando acordou para ir ao trabalho, o rapaz exigiu que sua parceira
mantivesse consigo relação sexual. Diante da negativa, ele a segurou pelos
cabelos e a atingiu com tapas que provocaram um corte na parte interna dos
lábios.
Inconformada,
a vítima procurou pelo auxílio da polícia judiciária.
A
princípio, a situação foi classificada como lesão corporal leve, mas a riqueza
de desfechos que a “exigência” poderia ter propiciado nos motivou a fazer
breves comentários.
O
Código Civil trata do assunto nos arts. 1.556 e 1.557. O primeiro diz que o
casamento pode ser anulado por erro essencial quanto à pessoa do outro. O
segundo inclui entre os erros essenciais a ignorância, anterior ao casamento,
de defeito físico irremediável, que inclui a impotência para o ato sexual, quer
do homem, quer da mulher. Para a lei, a frustração da expectativa de satisfação
sexual torna intolerável a vida em comum. A falta de atividade sexual
decorrente de defeito físico, portanto, pode fundamentar pedido de anulação do
casamento. O mesmo Código estabelece que pode fundamentar a separação judicial
qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne
insuportável a vida em comum (art. 1572). Ao avaliar cada caso, o Poder Judiciário
decidirá pela existência ou não de negativas reiteradas e injustificadas para o
ato sexual em número suficiente para fundamentar a ruína do casamento. Segundo
Carlos Roberto Gonçalves, “se um dos cônjuges, depois de certo tempo, passar a
negar-se à prática do ato sexual, dá causa, também, à separação judicial, por
infração ao dever de coabitação” (Direito
de Família, Ed. Saraiva, 2002). As recusas isoladas, eventuais e/ou
justificadas, é evidente, não serão bastantes à separação, e é por isso que
cada caso deverá ser minuciosamente estudado.
No
âmbito criminal, no entanto, a situação merece outro tratamento, tudo porque a
mulher não pode ser compelida fisicamente ao ato. Já houve decisões judiciais
no sentido de que a investida do homem não poderia ser classificada como crime,
mas nossos tribunais têm decidido que a relação forçada configura estupro. No
caso em análise, o indivíduo não forçou a cópula e, portanto, nem sequer
iniciou qualquer ato executório do hediondo delito, motivo pelo qual o fato
mereceu classificação inicial infinitamente mais branda.
Caso
tivesse matado a companheira por causa da negativa dela sem qualquer espécie de
investida para o relacionamento forçado, o fato seria classificado como
homicídio qualificado e também sofreria o rigor da Lei dos Crimes Hediondos,
diante da torpeza com que teria movido sua ação delituosa, ou seja, diante da
repugnância do motivo à luz dos nossos costumes.
O
mesmo desfecho, desta vez consumativo de atentado violento ao pudor (art. 214
do Código Penal), se daria no caso de o indivíduo ter forçado a companheira à
prática de qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, como o
sexo anal e o sexo oral.
Não existe
propriamente, portanto, um “direito ao relacionamento sexual”, mas uma mera
expectativa de que ele ocorra, que, nos termos da lei civil, uma vez não
correspondida, enseja a adoção de medidas judiciais para o desfazimento legal
da relação afetiva, mas nunca o uso da força ou de grave ameaça.
Havendo
notícia de qualquer espécie de constrangimento, este deverá ser apurado, a fim
de que se assegure à mulher a plenitude do gozo da sua liberdade sexual. Em
alguns casos, principalmente quando não houver efetivo emprego de violência
física, em razão da apuração, pela sua própria natureza, ter o condão de impor
relativo constrangimento à vítima, a decisão sobre a instauração do
procedimento ficará a cargo dela.
As
mesmas considerações dizem respeito às eventuais coações que porventura
afetarem o homem, com exceção da incidência do delito de estupro, que somente
existe quando a vítima for mulher.
Em
qualquer caso, quando o motivo torpe já não estiver previsto no dispositivo
penal (como é o caso do homicídio qualificado), normalmente incidirá, ainda,
uma causa de aumento sobre a pena originariamente prevista no delito que vier a
ser investigado.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado
de Polícia de Guarantã(SP)
(publicado
no Getulina Jornal de 16/1/2005)
Observação de 21/2/2015: O Código Civil foi alterado. O delito de atentado violento ao pudor foi "incorporado" ao art. 213. Atualmente todo ato libidinoso forçado configura estupro, mesmo que não haja penetração vaginal.