O
Poder Judiciário tem sido constantemente instado a deliberar sobre a legalidade
ou não de determinadas cobranças bancárias, ainda que expressamente previstas
em contratos. Muitas vezes o consumidor
não tem escolha; acaba tendo de assinar o contrato mesmo sem concordar com
determinadas regras, sob pena de não conseguir o financiamento. Depara com o
chamado “contrato de adesão” (uma espécie de formulário) e o gerente alega que
não pode alterar o conteúdo. Nesse caso, o Judiciário pode afastar a incidência
de cláusulas abusivas para restabelecer o equilíbrio contratual.
O
Supremo já decidiu que discussões sobre “cobrança de tarifas e taxas
administrativas acessórias, vinculadas a contratos bancários”, não possuem
repercussão geral (ARE 895511 AgR), tendo reforçado a competência do STJ para
pacificar a interpretação da lei infraconstitucional.
O
Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Recurso Especial 1.251.331/RS, aos
28/8/2013, firmou alguns posicionamentos. Vejamos o que foi decidido:
a)
a partir da vigência da Resolução 3.518/2007, do Conselho Monetário Nacional,
aos 30/4/2008, a cobrança por serviços bancários passou a depender de
regulamentação do Banco Central do Brasil (Bacen);
b)
“a tarifa de abertura de crédito (TAC)
e a tarifa de emissão de carnê (TEC)
não foram previstas na Tabela anexa à Circular Bacen 3.371/2007 e atos
normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em
contratos posteriores a 30.4.2008”;
c)
a TAC e a TEC podem ser cobradas em contratos celebrados até 30/4/2008
(início da vigência da Resolução CMN 3.518/2007), se não houver abuso, o que
terá de ser analisado caso a caso (a Súmula 565 do STJ, de fevereiro de 2016,
deixou claro que o entendimento se aplica a qualquer cobrança,
independentemente da denominação, desde que fundada no mesmo fato gerador);
d)
é possível a cobrança da tarifa de
cadastro, que remunera o serviço de "realização de pesquisa em
serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e
tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento
decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou
contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil" (tabela
anexa à vigente Resolução CMN 3.919/2010, com a redação dada pela Resolução
4.021/2011), devendo incidir apenas “no início do relacionamento entre o
consumidor e a instituição financeira” (em 2016, a Súmula 566 do STJ previu a
regularidade da cobrança “nos contratos bancários posteriores ao início da
vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008”);
e)
“É lícito aos contratantes convencionar o pagamento do imposto sobre operações financeiras e de crédito (IOF) por meio
financiamento acessório ao mútuo principal [embutir o tributo no valor
financiado], sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais”.
O
julgamento foi feito em “recurso repetitivo”. Esse sistema é adotado “sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários
ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito” (artigo 1.036 do
Código de Processo Civil). Os demais tribunais devem aplicar as teses firmadas.
Outras cobranças ainda não foram analisadas com a mesma
abrangência pelo STJ.
O seguro de proteção
financeira (ou seguro prestamista), segundo se tem decidido, pode ser
cobrado se tiver sido livremente contratado (não houver prova da imposição),
porque constitui benefício ao consumidor, se sobrevier sinistro (por exemplo, a
ajuste pode comportar quitação do contrato no caso de óbito). Mas há precedentes
no sentido de que a sua inserção no custo do financiamento, mesmo que tenha
havido aceitação, caracteriza “venda casada” (o artigo 39 do Código do
Consumidor proíbe “condicionar o fornecimento de
produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”). Se
o consumidor não teve escolha, evidentemente, a cobrança é abusiva (STJ, AREsp
554.230).
Via de regra, montante destinado à “promotora de vendas” não pode ser repassado ao consumidor, pois
retrata custo inerente à atividade financeira.
No que diz respeito aos “serviços
de terceiros”, “serviços de
correspondente não bancário” e “outros
serviços não discriminados”, tem predominado o entendimento de que as
cobranças são ilegais se não houver detalhamento dos motivos, pois a falta de
clareza ofende princípios básicos de Direito do Consumidor. Se o contrato tiver
indicado os motivos das cobranças, o julgador analisará, em cada caso, a
regularidade.
Quanto ao “registro de
gravame” e o “registro de contrato”,
há quem pense que devem ser custeados pelo banco (pois traduzem custos
contratuais), que tem interesse direto nas providências; e há quem entenda que
podem ser repassados ao consumidor, pois intrínsecos ao contrato (quem adquire
bem financiado responde por emolumentos cartorários e gravame eletrônico).
No tocante à “tarifa de
avaliação do bem”, uns dizem que quando o banco financia veículo usado, tem
interesse em avaliar e deve arcar com a despesa; mas há quem sustente que pode
ser cobrada do interessado no financiamento, desde que não haja abusividade
(que o valor da avaliação não signifique percentual elevado do bem avaliado),
pois o Banco Central consente.
Aos 2/9/2016, nos
autos do Recurso Especial 1.578.526, atento à multiplicidade de recursos sobre
os temas, o STJ determinou a “suspensão, em todo o território nacional, dos
processos pendentes que versem sobre” serviços prestados por terceiros; registro
do contrato; e avaliação do bem dado em garantia. Trata-se de mais
um recurso repetitivo que, quando solucionado, interferirá nas decisões de
tribunais e juízos de direito.
É importante
ressaltar que as instituições financeiras adotam nomenclaturas variadas para
cobranças embasadas em situações idênticas àquelas acima referidas.
O texto não
pretende esgotar o assunto e muito menos fazer prejulgamento, mas apenas
esclarecer a interpretação que vem sendo dada a cada cobrança [finalizado aos
28/9/2016].
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz
de Direito
Facebook
Adriano Ponce Jurídico
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www.youtube.com/adrianoponce10
(publicado
na edição de 29/9/2016 do Diário de Penápolis e na edição de outubro de 2016 da
Revista Comunica)