O Supremo Tribunal Federal reconheceu
a inconstitucionalidade da lei cearense
15.299/2013, que regulamentava a
vaquejada como prática desportiva e cultural (ADI 4.983). Confirmou tendência para rechaçar tratamento
inadequado aos animais, mesmo em eventos culturais e esportivos. Já foi assim
com a “briga de galos” (ADI 1.856 e ADI 2.514) e com a “farra do boi” (RE
153.531).
Consta do processo que durante a vaquejada “uma
dupla de vaqueiros, montados em cavalos distintos, busca derrubar o touro,
puxando-o pelo rabo dentro de área demarcada”. Segundo o Ministério Público, os
bovinos são enclausurados, açoitados e instigados, o que faz com que corram e
possam ser perseguidos, quando então são agarrados pelo rabo, que é torcido até
que o animal caia. Laudos apontaram “lesões traumáticas nos animais em fuga,
inclusive a possibilidade de a cauda ser arrancada, com consequente
comprometimento dos nervos e da medula espinhal”; e, nos cavalos utilizados na
atividade, “percentual relevante de ocorrência de tendinite, tenossinovite,
exostose, miopatias focal e por esforço, fraturas e osteoartrite társica”. O Governo do Ceará ressaltou a importância
histórica e turística da vaquejada, reconhecida como “prova de rodeio” pela Lei
federal 10.220/2001 (que equiparou peões aos atletas profissionais). Mas os
argumentos não convenceram a maioria dos Ministros do STF...
Segundo o relator, Min. Marco Aurélio: “Os precedentes
apontam a óptica adotada pelo Tribunal considerado o conflito entre normas de
direitos fundamentais – mesmo presente manifestação cultural, verificada
situação a implicar inequívoca crueldade contra animais, há de se interpretar,
no âmbito da ponderação de direitos, normas e fatos de forma mais favorável à
proteção ao meio ambiente, demostrando-se preocupação maior com a manutenção,
em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente
equilibradas para uma vida mais saudável e segura”. Sua Excelência observou
que a vaquejada envolve “crueldade intrínseca” e que o dever de proteção ao
meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal) deve se sobrepor aos valores
culturais da atividade desportiva. Classificou a prática como “intolerável”,
diante da “verdadeira tortura prévia – inclusive por
meio de estocadas de choques elétricos – à qual é submetido o animal, para que
saia do estado de mansidão e dispare em fuga a fim de viabilizar a
perseguição”.
No Estado de São Paulo, a Lei 11.977/2005 instituiu o Código de Proteção aos Animais, que proibiu
expressamente a vaquejada e também a utilização de animais em circos. Já escrevi sobre o Código, que trouxe
regramento abrangente sobre acomodações em granjas, lojas de animais e
veterinárias; abusos de carroceiros; proibição do abate com sangria; vedação da
eutanásia com método cruel; normas sobre transportes, experimentos com animais
e vários outros temas. O texto legal veda a apresentação ou utilização de
animais em provas de rodeio e espetáculos similares que envolvam o uso de
instrumentos que visem a induzi-los à realização de atividade ou comportamento
que não se produziria naturalmente. Quem defende a natureza tem de conhecê-lo.
A vaquejada e a prova do laço já foram proibidas em
Barretos pelo Tribunal de Justiça paulista (Apelação
2146983-12.2015.8.26.0000).
Dezenas de ações já discutiram os rodeios e muitas vezes
eles foram autorizados, desde que não houvesse uso de artifícios causadores de flagelação. Em alguns casos
foram proibidos.
No meu entender, depois do pronunciamento do Supremo,
pode ser que o Judiciário passe a se inclinar pela proibição total dos rodeios,
o que faço votos que aconteça. A legislação e os precedentes jurisprudenciais
estão evoluindo nesse sentido. Em linhas gerais, por mais que os adeptos tentem
negar, rodeios envolvem crueldades semelhantes àquelas que foram destacadas no
julgamento sobre as vaquejadas. Nenhum cavalo ou boi salta daquele jeito sem
ser ofendido. Não importa que coma a melhor ração. Fica confinado e já sabe que
quando o locutor gritar, será agredido. Não é relevante que seja por pouco
tempo. Em muitos municípios, já foram editadas legislações proibitivas. Como
proibições não são medidas populares, muitas autoridades, infelizmente, ainda
se acovardam. No âmbito da Câmara dos Deputados, por exemplo, a proibição de
rodeios foi retirada do relatório da CPI dos Maus-Tratos a Animais e um dos
membros alegou: “Se proibirmos isso, vamos tirar a alma do interior [do
Brasil]”.
Alguns alegam que haveria prejuízo social, pois rodeios
geram empregos etc. Mas isso não deve ser levado em conta quando é preciso
proteger um bem jurídico relevante. Os envolvidos migrariam para outras
atividades, tal como fizeram os cortadores de cana que ficaram desempregados
com as restrições às queimadas. As pessoas se acostumariam, assim como se acostumaram
com outras restrições que inicialmente causaram impactos, mas que, felizmente,
foram impostas para a construção de uma sociedade mais justa e para o bem-estar
de todos.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.youtube.com/adrianoponce10