Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

24 de nov. de 2016

Vaquejadas, rodeios e outros maus-tratos

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da lei cearense 15.299/2013, que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural (ADI 4.983). Confirmou tendência para rechaçar tratamento inadequado aos animais, mesmo em eventos culturais e esportivos. Já foi assim com a “briga de galos” (ADI 1.856 e ADI 2.514) e com a “farra do boi” (RE 153.531).
Consta do processo que durante a vaquejada “uma dupla de vaqueiros, montados em cavalos distintos, busca derrubar o touro, puxando-o pelo rabo dentro de área demarcada”. Segundo o Ministério Público, os bovinos são enclausurados, açoitados e instigados, o que faz com que corram e possam ser perseguidos, quando então são agarrados pelo rabo, que é torcido até que o animal caia. Laudos apontaram “lesões traumáticas nos animais em fuga, inclusive a possibilidade de a cauda ser arrancada, com consequente comprometimento dos nervos e da medula espinhal”; e, nos cavalos utilizados na atividade, “percentual relevante de ocorrência de tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e por esforço, fraturas e osteoartrite társica”. O Governo do Ceará ressaltou a importância histórica e turística da vaquejada, reconhecida como “prova de rodeio” pela Lei federal 10.220/2001 (que equiparou peões aos atletas profissionais). Mas os argumentos não convenceram a maioria dos Ministros do STF...
Segundo o relator, Min. Marco Aurélio: “Os precedentes apontam a óptica adotada pelo Tribunal considerado o conflito entre normas de direitos fundamentais – mesmo presente manifestação cultural, verificada situação a implicar inequívoca crueldade contra animais, há de se interpretar, no âmbito da ponderação de direitos, normas e fatos de forma mais favorável à proteção ao meio ambiente, demostrando-se preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura”. Sua Excelência observou que a vaquejada envolve “crueldade intrínseca” e que o dever de proteção ao meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal) deve se sobrepor aos valores culturais da atividade desportiva. Classificou a prática como “intolerável”, diante da “verdadeira tortura prévia – inclusive por meio de estocadas de choques elétricos – à qual é submetido o animal, para que saia do estado de mansidão e dispare em fuga a fim de viabilizar a perseguição”.
No Estado de São Paulo, a Lei 11.977/2005 instituiu o Código de Proteção aos Animais, que proibiu expressamente a vaquejada e também a utilização de animais em circos. Já escrevi sobre o Código, que trouxe regramento abrangente sobre acomodações em granjas, lojas de animais e veterinárias; abusos de carroceiros; proibição do abate com sangria; vedação da eutanásia com método cruel; normas sobre transportes, experimentos com animais e vários outros temas. O texto legal veda a apresentação ou utilização de animais em provas de rodeio e espetáculos similares que envolvam o uso de instrumentos que visem a induzi-los à realização de atividade ou comportamento que não se produziria naturalmente. Quem defende a natureza tem de conhecê-lo.
A vaquejada e a prova do laço já foram proibidas em Barretos pelo Tribunal de Justiça paulista (Apelação 2146983-12.2015.8.26.0000).
Dezenas de ações já discutiram os rodeios e muitas vezes eles foram autorizados, desde que não houvesse uso de artifícios causadores de flagelação. Em alguns casos foram proibidos.
No meu entender, depois do pronunciamento do Supremo, pode ser que o Judiciário passe a se inclinar pela proibição total dos rodeios, o que faço votos que aconteça. A legislação e os precedentes jurisprudenciais estão evoluindo nesse sentido. Em linhas gerais, por mais que os adeptos tentem negar, rodeios envolvem crueldades semelhantes àquelas que foram destacadas no julgamento sobre as vaquejadas. Nenhum cavalo ou boi salta daquele jeito sem ser ofendido. Não importa que coma a melhor ração. Fica confinado e já sabe que quando o locutor gritar, será agredido. Não é relevante que seja por pouco tempo. Em muitos municípios, já foram editadas legislações proibitivas. Como proibições não são medidas populares, muitas autoridades, infelizmente, ainda se acovardam. No âmbito da Câmara dos Deputados, por exemplo, a proibição de rodeios foi retirada do relatório da CPI dos Maus-Tratos a Animais e um dos membros alegou: “Se proibirmos isso, vamos tirar a alma do interior [do Brasil]”.
Alguns alegam que haveria prejuízo social, pois rodeios geram empregos etc. Mas isso não deve ser levado em conta quando é preciso proteger um bem jurídico relevante. Os envolvidos migrariam para outras atividades, tal como fizeram os cortadores de cana que ficaram desempregados com as restrições às queimadas. As pessoas se acostumariam, assim como se acostumaram com outras restrições que inicialmente causaram impactos, mas que, felizmente, foram impostas para a construção de uma sociedade mais justa e para o bem-estar de todos.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 20/10/2016 do Diário de Penápolis)