Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

24 de nov. de 2016

Condutor embriagado: homicídio doloso ou culposo?

No caso do homicídio, age com dolo direto aquele que busca deliberadamente produzir a morte, por exemplo, ao disparar contra o seu desafeto. O homicídio doloso, na sua forma mais simples, é punido com reclusão de 6 a 20 anos. Dolo, em linhas gerais, significa “vontade”.
O homicídio culposo é praticado por aquele que causa morte sem intenção, mas em virtude de ter sido imprudente (agiu de maneira descuidada), negligente (deixou de se acautelar) ou imperito (faltou habilidade no exercício de uma profissão). Para o homicídio culposo o Código Penal prevê detenção de 1 a 3 anos e o Código de Trânsito estabelece detenção de 2 a 4 anos.
As sanções são bastante diferentes porque, obviamente, desejar a morte não é a mesma coisa do que causá-la por descuido.
Em alguns casos, é bastante complicado diferenciar o dolo eventual da culpa consciente. Quando o sujeito pratica uma conduta arriscada, não deseja morte, mas também não se importa com a possibilidade de causá-la, age com dolo eventual. Isso acontece, por exemplo, quando acelera o carro, passa pelo semáforo vermelho, invade movimentada avenida e causa colisão. Nesse caso, o condutor aceita o risco. O mesmo ocorre com o motorista que pratica racha onde há concentração de pessoas. O dolo eventual tem a mesma consequência jurídica do dolo direto. Em resumo, atirar no inimigo ou invadir a avenida aceitando a possibilidade de causar acidente fatal configuram homicídios dolosos apenados, em tese, da mesma maneira. No segundo caso, o instrumento do crime não é a arma de fogo, mas o veículo.
Pode ser que o sujeito preveja o risco, mas confie, sinceramente, que não causará dano. O atirador de facas do circo treina bastante e se sente habilitado a desempenhar aquele papel. Se tiver tomado todas as cautelas e, mesmo assim, tiver errado um arremesso e causado a morte da assistente, será responsabilizado por homicídio culposo.
O fato de o condutor causador de acidente estar embriagado, juridicamente, não pode implicar, de forma automática, na sua responsabilização por homicídio doloso. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o “Habeas Corpus” 107.801, decidiu, em 2011, que “a embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo”. De outro lado, se a “embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa”. O Superior Tribunal de Justiça também já confirmou desclassificação de homicídio doloso para culposo ao decidir: “a embriaguez, por si só, sem outros elementos do caso concreto, não pode induzir à presunção, pura e simples, de que houve intenção de matar, notadamente se, como na espécie, o acórdão concluiu que, na dúvida, submete-se o paciente ao Júri, quando, em realidade, apresenta-se de maior segurança a aferição técnica da prova pelo magistrado da tênue linha que separa a culpa consciente do dolo eventual” (HC 328.426/SP, 2015).
A combinação de embriaguez e excesso de velocidade sugere insensibilidade do condutor (STJ, AgRg no AREsp 739.762/PR, 2016), mas detalhes de cada caso é que dirão se ele pouco se importou com a possibilidade de matar alguém no trânsito.
Se houver dúvida fundada sobre a aceitação ou não do resultado previsível, o juiz deverá encaminhar o caso para o Tribunal do Júri. Caberá os jurados analisarem aquilo que tem aparência de crime doloso contra a vida. Se as provas demonstrarem o contrário, decidirão por crime meramente culposo. Todavia, se não houver indícios mínimos de dolo, o próprio magistrado se encarregará do julgamento.
A aplicação da lei penal depende de prova contundente da responsabilidade, que não pode ser firmada com base em presunções. As autoridades devem solucionar os casos com bastante técnica e sem se preocuparem com a opinião popular para não cometerem injustiças. Se a resposta penal não é apropriada, devemos incentivar alterações legais.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.youtube.com/adrianoponce10

(publicado na edição de 10/9/2016 do Diário de Penápolis)