Pensemos
sempre no Pedrinho...
De um lado da mesa o pai, João; do
outro lado, a avó materna, dona Maria.
O pedido de regulamentação de
visitas teve como alvo o pequeno Pedrinho, 8 anos de idade. Ele estava sob a
guarda da avó havia cerca de cinco anos. Não estava presente.
Era para ter sido uma tarde como
qualquer outra para mim, mas não foi... Jamais me esquecerei dela.
Iniciada a audiência, João, bastante
ponderado, passou a falar do seu interesse em se reaproximar do filho, em
voltar a participar da vida de Pedro.
Sempre lutei bastante para favorecer
aos genitores não detentores da guarda o mais amplo acesso aos filhos. E mesmo
tomando conhecimento da realidade que permeava o caso, não titubeei em
incentivar um bom acordo.
João ainda estava cumprindo pena,
mas em regime aberto. No seu histórico criminal apenas um registro: o homicídio
da esposa, mãe de Pedro, fato ocorrido diante da criança, que então tinha 3
anos de idade! Durante uma ferrenha discussão ele tirou a vida da mãe do seu
filho. Segundo consta, um fato isolado na sua vida, fruto de um desequilíbrio
incontrolável. Mas eu nem quis saber de detalhes e nem era necessário
rediscutir aquela tragédia. O que interessava agora era resolver a pretensão de
João, a quem concedi meu apoio incondicional.
Como juiz e não “justiceiro”, eu
deveria agora considerar o interesse despertado pelo pai em relação ao filho e,
principalmente, o futuro de Pedro.
Afinal de contas, não existe no nosso sistema
nenhuma pena cruel ou de caráter perpétuo (há vedação constitucional expressa).
Não seria justo que o pai passasse a vida distante do filho, a não ser pela
vontade deste, que, quando pudesse ser livremente manifestada e considerada
(quando sobreviesse maturidade para um juízo de valor tão difícil), sem dúvida
poderia servir de baliza e teria de ser respeitada.
Ponderei também com dona Maria que a
sanção penal nunca pode passar da pessoa do criminoso e que privar Pedro do
contato poderia significar sancioná-lo (não penalmente, mas socialmente e
emocionalmente), isso antes mesmo que ele pudesse exprimir validamente a sua
vontade sobre a intenção de voltar ou não a conviver com o pai.
Classifiquei Pedrinho como o verdadeiro
juiz do caso, já que com o passar do tempo caberia ao próprio garoto considerar
tudo o que aconteceu e perdoar ou não seu pai. Isso porque de nada adiantaria a
dona Maria se opor ou mesmo o Juízo colocar empecilhos indevidos, pois no
futuro, Pedro, se desejasse contatar o genitor, o faria de qualquer jeito, e
deveria mesmo fazê-lo em obediência estritamente à sua vontade. Ou será que
deveríamos incitá-lo ao ódio? Ou será que gostar ou não gostar de alguém
depende de decisão judicial?
Por
fim, por dever obediência apenas ao sistema jurídico e à minha consciência, eu
não me esqueci de enfatizar que a reprovação legal para o homicídio já tinha
sido imposta e estava sendo fielmente cumprida, não sendo adequado considerar
sanções não previstas, especialmente porque no âmbito civil, ao que constava,
nenhuma providência tinha sido tomada para discutir o poder familiar de João em
relação a Pedro, e não havia informação que pudesse desabonar a conduta do
primeiro enquanto pai.
Maria ouviu tudo aquilo atentamente,
em silêncio, e de forma sublime, demonstrando uma grandeza de espírito
invejável, uma espiritualidade incomum, calmamente me disse que apoiaria aquela
reaproximação entre o homicida da sua própria filha e o seu neto. Firmamos
algumas cláusulas para que a reaproximação fosse gradativa, de forma a surtir
resultados. Convocamos o Conselho Tutelar para monitoramento.
Quando a gente dá um voto de
confiança, o faz na esperança de retribuição. Tempos depois deixei aquela Vara
e não sei exatamente como o caso evoluiu...
Mas o que importou para mim foi o
grande aprendizado adquirido. Dona Maria deu uma lição de sabedoria e de
princípios. João demonstrou coragem de formular aquele pedido sem saber como
seria interpretado pelo Juízo, por Maria e, principalmente, por Pedro. Deu um
grande passo no caminho para a total ressocialização. E eu, que ainda não tinha
presidido acordo semelhante, porque já era pai e já tinha noção da dor que
envolve o distanciamento entre pais e filhos, porque pude contribuir para o
consenso, senti-me gratificado.
Para quem se acha habilitado a
atirar “a primeira pedra”, o enfoque poderia ter sido outro: o rancor deveria ter
persistido. Para outros, todos merecem uma segunda chance, tudo é perdoável e o
perdão é imprescindível à construção de um mundo melhor e à felicidade plena.
Com o presente relato eu quis apenas
mostrar que “cada caso é um caso” e não convencer ninguém. Cada um que conclua o
que quiser. Mas será que na nossa vida não estamos decidindo pelo Pedrinho sem
pensarmos nele ou sem ouvi-lo? Será que não deveríamos ter mais cautela nas
decisões que influenciam mais a vida dos outros do que a nossa? Será que o que
pode parecer correto e justo para nós ou para a maioria será adequado para o
destinatário da nossa solução? Há decisões que geram consequências difíceis de
serem posteriormente ajustadas... Reflitamos... (utilizei nomes fictícios)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor do
curso de Direito do Unisalesiano
(publicado no
Correio de Lins de 16/3/2013)