Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

16 de mar. de 2013

Pensemos sempre no Pedrinho...

Pensemos sempre no Pedrinho...
            De um lado da mesa o pai, João; do outro lado, a avó materna, dona Maria.
            O pedido de regulamentação de visitas teve como alvo o pequeno Pedrinho, 8 anos de idade. Ele estava sob a guarda da avó havia cerca de cinco anos. Não estava presente.
            Era para ter sido uma tarde como qualquer outra para mim, mas não foi... Jamais me esquecerei dela.
            Iniciada a audiência, João, bastante ponderado, passou a falar do seu interesse em se reaproximar do filho, em voltar a participar da vida de Pedro.
            Sempre lutei bastante para favorecer aos genitores não detentores da guarda o mais amplo acesso aos filhos. E mesmo tomando conhecimento da realidade que permeava o caso, não titubeei em incentivar um bom acordo.
            João ainda estava cumprindo pena, mas em regime aberto. No seu histórico criminal apenas um registro: o homicídio da esposa, mãe de Pedro, fato ocorrido diante da criança, que então tinha 3 anos de idade! Durante uma ferrenha discussão ele tirou a vida da mãe do seu filho. Segundo consta, um fato isolado na sua vida, fruto de um desequilíbrio incontrolável. Mas eu nem quis saber de detalhes e nem era necessário rediscutir aquela tragédia. O que interessava agora era resolver a pretensão de João, a quem concedi meu apoio incondicional.
            Como juiz e não “justiceiro”, eu deveria agora considerar o interesse despertado pelo pai em relação ao filho e, principalmente, o futuro de Pedro.
             Afinal de contas, não existe no nosso sistema nenhuma pena cruel ou de caráter perpétuo (há vedação constitucional expressa). Não seria justo que o pai passasse a vida distante do filho, a não ser pela vontade deste, que, quando pudesse ser livremente manifestada e considerada (quando sobreviesse maturidade para um juízo de valor tão difícil), sem dúvida poderia servir de baliza e teria de ser respeitada.
            Ponderei também com dona Maria que a sanção penal nunca pode passar da pessoa do criminoso e que privar Pedro do contato poderia significar sancioná-lo (não penalmente, mas socialmente e emocionalmente), isso antes mesmo que ele pudesse exprimir validamente a sua vontade sobre a intenção de voltar ou não a conviver com o pai.
            Classifiquei Pedrinho como o verdadeiro juiz do caso, já que com o passar do tempo caberia ao próprio garoto considerar tudo o que aconteceu e perdoar ou não seu pai. Isso porque de nada adiantaria a dona Maria se opor ou mesmo o Juízo colocar empecilhos indevidos, pois no futuro, Pedro, se desejasse contatar o genitor, o faria de qualquer jeito, e deveria mesmo fazê-lo em obediência estritamente à sua vontade. Ou será que deveríamos incitá-lo ao ódio? Ou será que gostar ou não gostar de alguém depende de decisão judicial?
            Por fim, por dever obediência apenas ao sistema jurídico e à minha consciência, eu não me esqueci de enfatizar que a reprovação legal para o homicídio já tinha sido imposta e estava sendo fielmente cumprida, não sendo adequado considerar sanções não previstas, especialmente porque no âmbito civil, ao que constava, nenhuma providência tinha sido tomada para discutir o poder familiar de João em relação a Pedro, e não havia informação que pudesse desabonar a conduta do primeiro enquanto pai.
            Maria ouviu tudo aquilo atentamente, em silêncio, e de forma sublime, demonstrando uma grandeza de espírito invejável, uma espiritualidade incomum, calmamente me disse que apoiaria aquela reaproximação entre o homicida da sua própria filha e o seu neto. Firmamos algumas cláusulas para que a reaproximação fosse gradativa, de forma a surtir resultados. Convocamos o Conselho Tutelar para monitoramento.
            Quando a gente dá um voto de confiança, o faz na esperança de retribuição. Tempos depois deixei aquela Vara e não sei exatamente como o caso evoluiu...
            Mas o que importou para mim foi o grande aprendizado adquirido. Dona Maria deu uma lição de sabedoria e de princípios. João demonstrou coragem de formular aquele pedido sem saber como seria interpretado pelo Juízo, por Maria e, principalmente, por Pedro. Deu um grande passo no caminho para a total ressocialização. E eu, que ainda não tinha presidido acordo semelhante, porque já era pai e já tinha noção da dor que envolve o distanciamento entre pais e filhos, porque pude contribuir para o consenso, senti-me gratificado.
            Para quem se acha habilitado a atirar “a primeira pedra”, o enfoque poderia ter sido outro: o rancor deveria ter persistido. Para outros, todos merecem uma segunda chance, tudo é perdoável e o perdão é imprescindível à construção de um mundo melhor e à felicidade plena.
            Com o presente relato eu quis apenas mostrar que “cada caso é um caso” e não convencer ninguém. Cada um que conclua o que quiser. Mas será que na nossa vida não estamos decidindo pelo Pedrinho sem pensarmos nele ou sem ouvi-lo? Será que não deveríamos ter mais cautela nas decisões que influenciam mais a vida dos outros do que a nossa? Será que o que pode parecer correto e justo para nós ou para a maioria será adequado para o destinatário da nossa solução? Há decisões que geram consequências difíceis de serem posteriormente ajustadas... Reflitamos... (utilizei nomes fictícios)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor do curso de Direito do Unisalesiano
(publicado no Correio de Lins de 16/3/2013)