Nos
autos do Recurso Extraordinário 593.727-5, o egrégio Supremo Tribunal Federal
analisou a constitucionalidade da investigação criminal conduzida pelo
Ministério Público. O enfrentamento do tema se deu em regime de repercussão
geral. Isso significa que a solução deverá ser aplicada aos processos cujas
tramitações foram suspensas nas demais instâncias.
A
defesa que recorreu invocou nulidade da investigação sob o argumento de que a
Constituição não atribui ao MP a possibilidade de conduzi-la. Sustentou, ainda,
que a prática ofende a garantia do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa. Adotou como argumento o § 4º do art. 144 da Constituição Federal:
“às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União,
as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares”.
Ao
reconhecer a repercussão da discussão, em 2009, o Ministro Marco Aurélio
ponderou que o MP só tinha poder investigatório em ação civil pública.
Enfatizou que a apuração de ilícito penal deveria ser requisitada às Polícias
Civil ou Federal, a depender do caso, cabendo ao MP a devida fiscalização.
Em maio
de 2015, todavia, o Plenário do Supremo enfrentou definitivamente a questão. A
maioria dos onze Ministros entendeu que o MP pode promover investigação
criminal, com exceção dos casos de reserva constitucional de
jurisdição (quando a Constituição Federal elege especificamente a que incumbe
investigar). Penso que de fato o MP não pode ficar “refém” da investigação
policial, especialmente porque o contingente das Polícias não tem sido
suficiente para essa missão.
O julgamento resultou na redação
da seguinte tese: “O Ministério Público dispõe de competência para promover,
por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal,
desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado
ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as
prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os
Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI,
XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático
de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente
documentados (Súmula Vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição”.
Prevaleceu a
idéia de que se o Ministério Público é titular da ação penal pública (“dominus
litis”), não haveria razão para impedi-lo de colher os elementos necessários ao
ajuizamento. Como se costuma dizer no Direito, “quem pode o mais, pode o
menos”.
O Ministro
Marco Aurélio, como dito, votou contrariamente, tendo afirmado que a
investigação pelo MP somente seria legítima se tivesse havido clara previsão de
como ela seria desenvolvida. No seu entender, o MP tem de fiscalizar e
controlar a polícia, pois “o que se mostra inconcebível é um membro do
Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar”.
Ponderou que, “sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar
apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio,
prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas".
Generalizou, portanto, o entendimento de que promotores seriam parciais nas
conduções de apurações, o que, com o devido respeito.
A Súmula Vinculante 14,
mencionada no julgado, dispõe: “É direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
A Resolução 13/2006 do Conselho
Nacional do Ministério Público disciplinou a instauração e tramitação do
procedimento investigatório criminal por promotores e procuradores de justiça.
Em 2011 a proposta de emenda
constitucional que tornava privativa das polícias federal e civil a apuração de
crimes já tinha sido rejeitada. Ao que parece, o novo pronunciamento do STF
colocou uma “pá de cal” no debate que se estendia havia algum tempo...
A Ministra Carmen Lúcia, quando
se manifestou favoravelmente à investigação conduzida pelo MP, destacou que as
melhores apurações, todavia, acabam sendo aquelas em que promotores e policiais
agem conjuntamente, o que não deixa de ser uma verdade, pois nem sempre os
primeiros detêm “know-how” e estrutura adequada para buscas, interceptações
telefônicas e diligências externas.
Em tese, quanto mais gente
investigar, maior será a repressão à criminalidade. Acontece que nem sempre
haverá atuação conjunta, que depende precipuamente da confiança no
compartilhamento de informações. E, nesse caso, desencontros entre as ações
investigativas poderão acabar beneficiando o investigado, ou seja, a ação de
uma instituição poderá vir a “estragar” o planejamento feito pela outra,
antecipando, por exemplo, uma prisão que vinha sendo protelada para que
comparsas viessem a ser identificados e/ou para que apreensões se tornassem
viáveis. Em suma: a quantidade de investigadores nem sempre garantirá a qualidade
da investigação.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado aos 4/6/2015 no Diário de Penápolis e no
Correio de Lins; abordado em entrevista na Rádio Regional Esperança ao
1º/6/2015)