Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

7 de jun. de 2015

Poder investigatório do Ministério Público

Nos autos do Recurso Extraordinário 593.727-5, o egrégio Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade da investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. O enfrentamento do tema se deu em regime de repercussão geral. Isso significa que a solução deverá ser aplicada aos processos cujas tramitações foram suspensas nas demais instâncias.

A defesa que recorreu invocou nulidade da investigação sob o argumento de que a Constituição não atribui ao MP a possibilidade de conduzi-la. Sustentou, ainda, que a prática ofende a garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Adotou como argumento o § 4º do art. 144 da Constituição Federal: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Ao reconhecer a repercussão da discussão, em 2009, o Ministro Marco Aurélio ponderou que o MP só tinha poder investigatório em ação civil pública. Enfatizou que a apuração de ilícito penal deveria ser requisitada às Polícias Civil ou Federal, a depender do caso, cabendo ao MP a devida fiscalização.

Em maio de 2015, todavia, o Plenário do Supremo enfrentou definitivamente a questão. A maioria dos onze Ministros entendeu que o MP pode promover investigação criminal, com exceção dos casos de reserva constitucional de jurisdição (quando a Constituição Federal elege especificamente a que incumbe investigar). Penso que de fato o MP não pode ficar “refém” da investigação policial, especialmente porque o contingente das Polícias não tem sido suficiente para essa missão.

O julgamento resultou na redação da seguinte tese: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

Prevaleceu a idéia de que se o Ministério Público é titular da ação penal pública (“dominus litis”), não haveria razão para impedi-lo de colher os elementos necessários ao ajuizamento. Como se costuma dizer no Direito, “quem pode o mais, pode o menos”.

O Ministro Marco Aurélio, como dito, votou contrariamente, tendo afirmado que a investigação pelo MP somente seria legítima se tivesse havido clara previsão de como ela seria desenvolvida. No seu entender, o MP tem de fiscalizar e controlar a polícia, pois “o que se mostra inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar”. Ponderou que, “sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas". Generalizou, portanto, o entendimento de que promotores seriam parciais nas conduções de apurações, o que, com o devido respeito.

A Súmula Vinculante 14, mencionada no julgado, dispõe: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A Resolução 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público disciplinou a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal por promotores e procuradores de justiça.

Em 2011 a proposta de emenda constitucional que tornava privativa das polícias federal e civil a apuração de crimes já tinha sido rejeitada. Ao que parece, o novo pronunciamento do STF colocou uma “pá de cal” no debate que se estendia havia algum tempo...

A Ministra Carmen Lúcia, quando se manifestou favoravelmente à investigação conduzida pelo MP, destacou que as melhores apurações, todavia, acabam sendo aquelas em que promotores e policiais agem conjuntamente, o que não deixa de ser uma verdade, pois nem sempre os primeiros detêm “know-how” e estrutura adequada para buscas, interceptações telefônicas e diligências externas.

Em tese, quanto mais gente investigar, maior será a repressão à criminalidade. Acontece que nem sempre haverá atuação conjunta, que depende precipuamente da confiança no compartilhamento de informações. E, nesse caso, desencontros entre as ações investigativas poderão acabar beneficiando o investigado, ou seja, a ação de uma instituição poderá vir a “estragar” o planejamento feito pela outra, antecipando, por exemplo, uma prisão que vinha sendo protelada para que comparsas viessem a ser identificados e/ou para que apreensões se tornassem viáveis. Em suma: a quantidade de investigadores nem sempre garantirá a qualidade da investigação.

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado aos 4/6/2015 no Diário de Penápolis e no Correio de Lins; abordado em entrevista na Rádio Regional Esperança ao 1º/6/2015)