Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

5 de jul. de 2015

Interesse de agir

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu amplo acesso à justiça. Conforme art. 5º, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Entretanto, esse acesso deve obedecer às chamadas “condições da ação” disciplinadas pelo direito processual. Uma das condições é o “interesse de agir”. Resumidamente, demandar somente se justifica se a pessoa demonstra que a sua pretensão não foi atendida pela outra parte, ou seja, que existe pretensão resistida.

Entendo que a parte tem de esgotar todas as tentativas de solucionar o seu problema administrativamente antes de distribuir uma ação. Admito que nem sempre os tribunais decidem dessa forma, o que, contudo, nem sempre é suficiente para que eu admita o prosseguimento.

No âmbito do Direito do Consumidor, por ex., a insatisfação pode ser noticiada primeiramente ao próprio fornecedor do produto ou do serviço. Se o diálogo não for suficiente, a parte pode e deve formular reclamação escrita. Se a empresa se recusar a protocolizar a reclamação, ela pode ser enviada pelo correio com aviso de recebimento, isso se o “site” não disponibilizar correio eletrônico ou formulário próprio para reclamação. Também é possível promover notificação extrajudicial (via cartório). No caso de atendimento por sistema telefônico do tipo “0800”, é recomendável que o consumidor utilize o seu telefone celular com o sistema de “viva-voz” acionado e se sirva de outro aparelho para gravar a conversa, de forma a produzir prova daquilo que lhe foi prometido. Ainda que seja possível requisitar judicialmente essa gravação no curso do processo, isso levará tempo e se o fornecedor alegar que o contato não aconteceu, o impasse poderá prejudicar o esclarecimento do defeito no produto ou no serviço. A falta de pronunciamento do fornecedor depois do decurso de prazo razoável para resposta justifica que o interessado compareça ao Procon. Acredito que somente depois disso tudo é que o ajuizamento de ação deve ser considerado legítimo. Se houver urgência, a propositura de pedido cautelar ou mesmo de antecipação dos efeitos da tutela principal de plano, evidentemente, se justificará.

Quando a insatisfação tiver por alvo uma repartição pública haverá mais razão para se exigir da parte a prévia reclamação por escrito. As repartições normalmente protocolizam requerimentos. Instar o servidor público a se manifestar por escrito sobre a sua pretensão normalmente faz com que ele reflita melhor sobre a negativa que lhe informou verbalmente e, muitas vezes, reconsidere a conclusão contrária aos seus interesses. Da mesma forma, a recusa de protocolo poderá ser suprimida por remessa postal. Mas, no caso do serviço público, sempre haverá uma autoridade superior que poderá ser “provocada” a tomar conhecimento da atitude indevida do subordinado que tiver se negado a receber pedido escrito. A exigência de petição à repartição antes da distribuição de ação judicial, longe de significar vedação de acesso à justiça, somente vem a consagrar a separação dos poderes que também tem previsão no referido art. 5º. Em suma: antes de o Judiciário intervir no funcionamento do Executivo ou do Legislativo, estes Poderes devem ser formalmente acionados a justificarem eventuais negativas aos cidadãos. Não é demais ressaltar que o art. 5º, no inciso XXXIV, assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Negar-se a receber petição do cidadão configura falta injustificável do servidor público. A Lei Federal 9.265/1996 estabeleceu gratuidade aos atos necessários ao exercício da cidadania, dentre eles, quaisquer requerimentos ou petições que amparem garantias individuais e a defesa do interesse público.

Em seara previdenciária, nota-se ajuizamento de milhares de ações sem que haja demonstração da protocolização de prévio requerimento administrativo e da subsequente negativa ou omissão, depois de decorrido tempo razoável para resposta, por parte Instituto Nacional do Seguro Social. Em consequência, o Poder Judiciário, já tão abarrotado de ações, tem funcionado como uma verdadeira repartição do INSS, absorvendo atribuições que legalmente e processualmente não se justificam. O INSS, por sua vez, em vez de ampliar o atendimento ao público (é claro que já houve expressivos avanços nesse sentido), por exemplo, por meio de unidades volantes que poderiam atender com mais frequência aos cidadãos das pequenas cidades que não contam com agências da Previdência, tem se acomodado com a atuação do Poder Judiciário como verdadeira filial de seus escritórios. Os interessados, por sua vez, também já se acostumaram a acionar diretamente a justiça e, tenho conhecimento (porque debato o assunto com outros Magistrados), é crescente (mesmo que ainda seja minoria) o número de captadores que de forma espúria arregimentam clientes para alguns advogados em troca de comissões (o que configura falta disciplinar).

Ainda falando do serviço público, a necessidade de medicamento e/ou de tratamento de saúde, no meu entender, também deve ser objeto de prévio requerimento. Esse contato direto da repartição com o enfermo é fundamental para a análise da procedência do pedido.

É preciso repensar a idéia de procurar o Judiciário e obrigar o serviço público a se pronunciar oficialmente, cada vez mais, sobre as pretensões dos cidadãos. As repartições não podem se acomodar. Ao contrário, devem aperfeiçoar os atendimentos. E resolver administrativamente acaba privando o ente público de gastos com o processo.

Não pretendo aqui estimular negativa de atendimento ao jurisdicionado. Defendo apenas o uso racional do serviço judiciário e a maior distribuição de responsabilidades entre os envolvidos para as soluções de entreveros. A partir do momento em que o Judiciário passar a ser procurado apenas em caso de necessidade manifesta, teoricamente, terá condições de atuar com mais agilidade.

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Correio de Lins de 30/6/2015 e no Diário de Penápolis de 2/7/2015)