Dezenas de denúncias de
“pirâmides” estão sendo investigadas no Brasil.
O “site” governamental www.portaldoinvestidor.gov.br
há algum tempo disponibilizou informações sobre como diferenciar “pirâmide” de “marketing
multinível”. Segundo foi divulgado, a principal característica da “pirâmide” é
a reduzida importância dada à efetiva comercialização de produtos. Não existe
tanta preocupação com treinamento em vendas. Não importa se o interessado em
fazer parte tenha perfil de vendedor. Nas “pirâmides”, o interesse maior do
integrante é convencer outros a se tornarem ramificações dele. Há exigência de
considerável aporte financeiro e aquele que se situa acima do novo membro lucra
com isso. O retorno está mais atrelado à integração de novos indivíduos, ainda
que algum ganho, de menor expressão, possa derivar da venda de mercadoria. Na
prática, em pouco tempo os elos da corrente se partirão e alguns poucos serão
beneficiados em detrimento de muitos lesados que não conseguirão recuperar o
que “investiram”. Isso porque vai ficando difícil cadastrar gente nova, seja
pelo descrédito, seja pelo valor exigido.
Nesse sentido se
pronunciou o Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ): “As operações
denominadas de "pirâmide financeira", sob o disfarce de
"marketing multinível", caracterizam-se por oferecer a seus
associados uma perspectiva de lucros, remuneração e benefícios futuros irreais,
cujo pagamento depende do ingresso de novos investidores ou de aquisição de
produtos para uso próprio, em vez de vendas para consumidores que não são
participantes do esquema” (CC 146.153/SP, 11/5/2016).
No “marketing multinível”
ou de rede, o retorno financeiro do cadastrado basicamente deriva do seu
esforço em vender, ainda que ele possa receber alguma “comissão” de outros que venha
a inserir no grupo. Normalmente não se cobra pelo ingresso e o revendedor se
reporta diretamente ao fabricante do produto. O dinheiro é injetado por
consumidores (estranhos ao grupo) e não por novos integrantes. Há geração de
tributos. Não há ilegalidade, segundo se tem decidido, muito embora o modelo
também receba críticas de quem afirme que a maior parte dos revendedores já não
consegue experimentar lucro porque muita gente atualmente compra pela Internet.
Nem sempre é simples
detectar ilegalidade. Isso requer aprofundada análise do funcionamento. É
preciso ter cautela ao “disparar” que determinada prática configura “pirâmide”.
O Tribunal de Justiça
paulista tem afirmado que "corrente" ou "pirâmide"
configura o seguinte ilícito penal: “Art. 2º da Lei Federal 1.521/1951: “IX -
obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado
de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de
neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros
equivalentes) – Pena - detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. Nos autos da Apelação
1002958-24.2014.8.26.0010, ficou resolvido: “Contrato de concessão de uso de
loja virtual e de agente de vendas - Negócio realizado com a falsa aparência de
marketing multinível e que encerra verdadeira ilicitude conhecida por corrente
ou pirâmide fraudulenta (obrigar o contratante a arregimentar novos
subscritores para receber bonificações compensatórias do valor pago para
ingresso na cadeia que favorece exclusivamente quem vende a ilusão do lucro
fácil) – Prática condenada (art. 2º, IX, da Lei 1521/51) e que não sobrevive
com a cumplicidade da internet, por falta de boa-fé objetiva quanto ao dever
“post factum finitum” – Precedentes do Tribunal, com a rescisão dos contratos
(art. 166, II, do CC), obrigando a ré em devolver a quantia paga, atualizada”.
No mesmo sentido: Apelações 0004092-89.2010.8.26.0157;
0032019-21.2008.8.26.0506 e 9084908-22.2009.8.26.0000. Em muitos caos
(inclusive nos citados), os invocados danos morais não tem sido reconhecidos.
Ao julgar a Apelação 0000716-36.2008.8.26.0070, o TJSP ponderou: “Danos morais
não configurados - Autores que aderiram voluntariamente ao negócio e também não
se cercaram de nenhuma cautela, tudo sob a promessa de lucro fácil, o que
deveria ser visto com reservas”.
O risco é bastante
conhecido, mas de vez em quando as “pirâmides” ressurgem. A expectativa de
ganho e o bom trabalho de convencimento acabam “cegando” as pessoas. Elas
acabam se convencendo de que é possível alcançar riqueza rapidamente e sem
muito esforço. Deixam de investir o seu tempo e a sua capacidade em projetos de
efeitos certos e duradouros como a busca de formação superior, o aprimoramento
profissional ou a preparação para um bom concurso público. Desenvolvem reduzida
tolerância às notícias e debates sobre o tema e se insurgem facilmente contra
postagens em redes sociais, ainda que não digam respeito, exatamente, ao seu
grupo. O seu grau de envolvimento e de cobiça é tamanho que, diante de um texto
como este, por exemplo, de caráter geral e meramente informativo, mas que pode,
por ser indutor de reflexão, desestimular novos cadastramentos e, em
consequência, afetar lucro quem já está no “jogo”, “torcem o nariz” e não
raramente demonstram agressividade incomum. Esse pode ser o maior sinal de que
“mergulharam”, sem suficiente percepção, naquilo que consideraram que tinha
pouca profundidade, mas que, em verdade, correm risco de se afogar...
Adriano Rodrigo Ponce de
Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de
28/7/2016 do Diário de Penápolis)