Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

31 de ago. de 2016

“Pirâmide” x “Marketing multinível”

Dezenas de denúncias de “pirâmides” estão sendo investigadas no Brasil.
O “site” governamental www.portaldoinvestidor.gov.br há algum tempo disponibilizou informações sobre como diferenciar “pirâmide” de “marketing multinível”. Segundo foi divulgado, a principal característica da “pirâmide” é a reduzida importância dada à efetiva comercialização de produtos. Não existe tanta preocupação com treinamento em vendas. Não importa se o interessado em fazer parte tenha perfil de vendedor. Nas “pirâmides”, o interesse maior do integrante é convencer outros a se tornarem ramificações dele. Há exigência de considerável aporte financeiro e aquele que se situa acima do novo membro lucra com isso. O retorno está mais atrelado à integração de novos indivíduos, ainda que algum ganho, de menor expressão, possa derivar da venda de mercadoria. Na prática, em pouco tempo os elos da corrente se partirão e alguns poucos serão beneficiados em detrimento de muitos lesados que não conseguirão recuperar o que “investiram”. Isso porque vai ficando difícil cadastrar gente nova, seja pelo descrédito, seja pelo valor exigido.
Nesse sentido se pronunciou o Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ): “As operações denominadas de "pirâmide financeira", sob o disfarce de "marketing multinível", caracterizam-se por oferecer a seus associados uma perspectiva de lucros, remuneração e benefícios futuros irreais, cujo pagamento depende do ingresso de novos investidores ou de aquisição de produtos para uso próprio, em vez de vendas para consumidores que não são participantes do esquema” (CC 146.153/SP, 11/5/2016).
No “marketing multinível” ou de rede, o retorno financeiro do cadastrado basicamente deriva do seu esforço em vender, ainda que ele possa receber alguma “comissão” de outros que venha a inserir no grupo. Normalmente não se cobra pelo ingresso e o revendedor se reporta diretamente ao fabricante do produto. O dinheiro é injetado por consumidores (estranhos ao grupo) e não por novos integrantes. Há geração de tributos. Não há ilegalidade, segundo se tem decidido, muito embora o modelo também receba críticas de quem afirme que a maior parte dos revendedores já não consegue experimentar lucro porque muita gente atualmente compra pela Internet.
Nem sempre é simples detectar ilegalidade. Isso requer aprofundada análise do funcionamento. É preciso ter cautela ao “disparar” que determinada prática configura “pirâmide”.
O Tribunal de Justiça paulista tem afirmado que "corrente" ou "pirâmide" configura o seguinte ilícito penal: “Art. 2º da Lei Federal 1.521/1951: “IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes) –  Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. Nos autos da Apelação 1002958-24.2014.8.26.0010, ficou resolvido: “Contrato de concessão de uso de loja virtual e de agente de vendas - Negócio realizado com a falsa aparência de marketing multinível e que encerra verdadeira ilicitude conhecida por corrente ou pirâmide fraudulenta (obrigar o contratante a arregimentar novos subscritores para receber bonificações compensatórias do valor pago para ingresso na cadeia que favorece exclusivamente quem vende a ilusão do lucro fácil) – Prática condenada (art. 2º, IX, da Lei 1521/51) e que não sobrevive com a cumplicidade da internet, por falta de boa-fé objetiva quanto ao dever “post factum finitum” – Precedentes do Tribunal, com a rescisão dos contratos (art. 166, II, do CC), obrigando a ré em devolver a quantia paga, atualizada”. No mesmo sentido: Apelações 0004092-89.2010.8.26.0157; 0032019-21.2008.8.26.0506 e 9084908-22.2009.8.26.0000. Em muitos caos (inclusive nos citados), os invocados danos morais não tem sido reconhecidos. Ao julgar a Apelação 0000716-36.2008.8.26.0070, o TJSP ponderou: “Danos morais não configurados - Autores que aderiram voluntariamente ao negócio e também não se cercaram de nenhuma cautela, tudo sob a promessa de lucro fácil, o que deveria ser visto com reservas”.
O risco é bastante conhecido, mas de vez em quando as “pirâmides” ressurgem. A expectativa de ganho e o bom trabalho de convencimento acabam “cegando” as pessoas. Elas acabam se convencendo de que é possível alcançar riqueza rapidamente e sem muito esforço. Deixam de investir o seu tempo e a sua capacidade em projetos de efeitos certos e duradouros como a busca de formação superior, o aprimoramento profissional ou a preparação para um bom concurso público. Desenvolvem reduzida tolerância às notícias e debates sobre o tema e se insurgem facilmente contra postagens em redes sociais, ainda que não digam respeito, exatamente, ao seu grupo. O seu grau de envolvimento e de cobiça é tamanho que, diante de um texto como este, por exemplo, de caráter geral e meramente informativo, mas que pode, por ser indutor de reflexão, desestimular novos cadastramentos e, em consequência, afetar lucro quem já está no “jogo”, “torcem o nariz” e não raramente demonstram agressividade incomum. Esse pode ser o maior sinal de que “mergulharam”, sem suficiente percepção, naquilo que consideraram que tinha pouca profundidade, mas que, em verdade, correm risco de se afogar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com
www.youtube.com/adrianoponce10

(publicado na edição de 28/7/2016 do Diário de Penápolis)