Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de out. de 2015

Corpo estranho em bebida ou alimento


          Muitas vezes o Judiciário é instado a analisar pedidos indenizatórios embasados na tese de que o consumidor deparou com algo estranho na bebida ou no alimento que adquiriu...
          Quem reclama normalmente pede o reembolso do valor do produto impróprio para consumo e despesas que decorreram dos efeitos danosos dele (problemas de saúde, prejuízos no trabalho etc.); além de invocar danos morais.
          Tais pretensões podem ser deduzidas em Vara cível, por meio de advogado, ou em Juizado, se o montante não exceder quarenta vezes o salário mínimo. Em se tratando de Juizado, nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
          O rito dos Juizados não permite exame pericial complexo. Muitas vezes não é fácil para o juiz analisar a tese de que a garrafa foi aberta depois de ter saído da fábrica ou de que o objeto foi introduzido posteriormente no recheio da bolacha sem que uma perícia seja realizada. Se o exame mais aprofundado for imprescindível, o processo que tramita no Juizado será extinto e a parte interessada deverá ajuizar nova ação.
          No que diz respeito aos danos morais, o egrégio Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo não têm reconhecido a sua ocorrência quando o produto não chega a ser consumido. O mero desapontamento de encontrar algo estranho no alimento, conforme tem sido decidido, não pode ser equiparado ao abalo psíquico exigível para a imposição da indenização por danos morais. Em suma: a constatação de corpo estranho em garrafa de bebida realmente causa indignação, mas indignação nem sempre gera indenização. Nesse sentido, sobre aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem, assim se pronunciou o STJ: “RECURSO ESPECIAL DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. EMBALAGEM DE REFRIGERANTE LACRADA. TECNOLOGIA PADRONIZADA. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO DISSABOR. ÂMBITO INDIVIDUAL. 1. Cuida-se de demanda na qual busca o autor a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem. 2. No âmbito da jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de objeto estranho no seu interior, por não extrapolar o âmbito individual que justifique a litigiosidade, porquanto atendida a expectativa do consumidor em sua dimensão plural. 3. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes é padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualidades no mundo inteiro. 4. Inexiste um sistemático defeito de segurança capaz de colocar em risco a incolumidade da sociedade de consumo, a culminar no desrespeito à dignidade da pessoa humana, no desprezo à saúde pública e no descaso com a segurança alimentar. 5. Recurso especial provido (REsp 1395647/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 19/12/2014)”.
          Pode ser, portanto, que a justiça reconheça a culpa do fabricante, determine ressarcimento do valor do produto, mas afaste a ocorrência de danos morais. Mas detalhes do caso poderão justificar o reconhecimento dos danos morais. Não há como prever o desfecho de pedido dessa natureza, mesmo porque cada julgador tem um ponto de vista sobre o que pode configurar dano moral. Alguns são menos tolerantes às falhas dos fabricantes.
          A demonstração de que o corpo estranho estava no produto antes mesmo da aquisição às vezes não é simples de ser feita. O Judiciário deve estar atento à possibilidade de má-fé do consumidor. Normalmente as pessoas indicadas para serem ouvidas são parentes ou amigos que presenciaram a detecção do corpo estranho e/ou o consumo parcial do produto. Isso também deve ser levado em conta. O rigor excessivo poderá inviabilizar a produção da prova por parte do consumidor. A tolerância excessiva poderá fomentar fraudes contra a indústria. Mas quem disse que fazer justiça é uma tarefa fácil?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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www.direitoilustrado.blogspot.com.br

(publicado no Diário de Penápolis de 10/9/2015 e no Correio de Lins de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 7/9/2015)