Muitas
vezes o Judiciário é instado a analisar pedidos indenizatórios embasados na
tese de que o consumidor deparou com algo estranho na bebida ou no alimento que
adquiriu...
Quem
reclama normalmente pede o reembolso do valor do produto impróprio para consumo
e despesas que decorreram dos efeitos danosos dele (problemas de saúde,
prejuízos no trabalho etc.); além de invocar danos morais.
Tais
pretensões podem ser deduzidas em Vara cível, por meio de advogado, ou em Juizado,
se o montante não exceder quarenta vezes o salário mínimo. Em se tratando de
Juizado, nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão
pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a
assistência é obrigatória.
O rito dos
Juizados não permite exame pericial complexo. Muitas vezes não é fácil para o
juiz analisar a tese de que a garrafa foi aberta depois de ter saído da fábrica
ou de que o objeto foi introduzido posteriormente no recheio da bolacha sem que
uma perícia seja realizada. Se o exame mais aprofundado for imprescindível, o
processo que tramita no Juizado será extinto e a parte interessada deverá
ajuizar nova ação.
No que diz
respeito aos danos morais, o egrégio Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal
de Justiça de São Paulo não têm reconhecido a sua ocorrência quando o produto
não chega a ser consumido. O mero desapontamento de encontrar algo estranho no
alimento, conforme tem sido decidido, não pode ser equiparado ao abalo psíquico
exigível para a imposição da indenização por danos morais. Em
suma: a constatação de corpo estranho em garrafa de bebida realmente causa
indignação, mas indignação nem sempre gera indenização. Nesse
sentido, sobre aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da
embalagem, assim se pronunciou o STJ: “RECURSO ESPECIAL
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM
ALIMENTO. EMBALAGEM DE REFRIGERANTE LACRADA. TECNOLOGIA PADRONIZADA. AUSÊNCIA
DE INGESTÃO. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO DISSABOR. ÂMBITO INDIVIDUAL. 1.
Cuida-se de demanda na qual busca o autor a condenação da empresa ré ao
pagamento de indenização por danos morais decorrentes da aquisição de
refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem. 2. No âmbito da
jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão
do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de
objeto estranho no seu interior, por não extrapolar o âmbito individual que
justifique a litigiosidade, porquanto atendida a expectativa do consumidor em
sua dimensão plural. 3. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes
é padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualidades
no mundo inteiro. 4. Inexiste um sistemático defeito de segurança capaz de
colocar em risco a incolumidade da sociedade de consumo, a culminar no
desrespeito à dignidade da pessoa humana, no desprezo à saúde pública e no
descaso com a segurança alimentar. 5. Recurso especial provido (REsp 1395647/SC,
Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014,
DJe 19/12/2014)”.
Pode ser,
portanto, que a justiça reconheça a culpa do fabricante, determine
ressarcimento do valor do produto, mas afaste a ocorrência de danos morais. Mas
detalhes do caso poderão justificar o reconhecimento dos danos morais. Não há
como prever o desfecho de pedido dessa natureza, mesmo porque cada julgador tem
um ponto de vista sobre o que pode configurar dano moral. Alguns são menos
tolerantes às falhas dos fabricantes.
A
demonstração de que o corpo estranho estava no produto antes mesmo da aquisição
às vezes não é simples de ser feita. O Judiciário deve estar atento à
possibilidade de má-fé do consumidor. Normalmente as pessoas indicadas para
serem ouvidas são parentes ou amigos que presenciaram a detecção do corpo
estranho e/ou o consumo parcial do produto. Isso também deve ser levado em
conta. O rigor excessivo poderá inviabilizar a produção da prova por parte do
consumidor. A tolerância excessiva poderá fomentar fraudes contra a indústria.
Mas quem disse que fazer justiça é uma tarefa fácil?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com.br
(publicado
no Diário de Penápolis de 10/9/2015 e no Correio de Lins de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio
Regional Esperança aos 7/9/2015)