Ofendículo, segundo o Dicionário
Aurélio, é sinônimo de estorvo, embaraço, empecilho, objeto que faz tropeçar.
No “Vocabulário Jurídico” de Plácido e
Silva, ofendículos são “obstáculos que são colocados para a proteção da
propriedade” (edição 2008). No dizer de Damásio E. de Jesus (Código Penal
Anotado, Ed. Saraiva), são “aparatos para defender o patrimônio, o domicílio ou
qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça”. De fato, não se prestam apenas à
defesa de bens materiais...
Às vezes o ofendículo serve para
proteger terceiros, como as pessoas que caminham nas imediações de linhas
férreas. A ausência dele já gerou responsabilização pelo atropelamento de um
surdo que não escutou a locomotiva, pois a administradora deveria ter previsto
essa possibilidade (STJ, REsp 916.156).
Dentre os mais conhecidos estão as
cercas eletrificadas, os cacos de vidro, as pontas de lança e os arames
farpados que comumente são instalados em imóveis.
A utilização de ofendículos
normalmente configura legítima defesa se forem facilmente perceptíveis, tiverem
a finalidade única da defesa propriedade ou de qualquer outro bem jurídico e
agirem com moderação, de forma compatível com a agressão que pretendem evitar.
Não se vislumbra ilicitude na conduta de quem promove a sua utilização regular.
Afinal, a inviolabilidade do domicílio é garantida constitucionalmente e o
Código Civil tolera, inclusive, o uso de força física para preservação da posse
(“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não
podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” – artigo
1.210).
Como dito, deve haver moderação e
compatibilidade entre o mal que possa ser causado pelo ofendículo e o mal que o
morador ou empresário pretende evitar com a sua instalação. O STJ, por ex.,
manteve o julgamento pelo júri do indivíduo que preparou espingarda no quintal
para disparar quando alguém adentrasse e acabou matando um invasor. Entendeu
que não estava clara a legítima defesa (REsp 38.302, j. 10/11/1997).
A eletrificação de cerca de baixa
estatura, em local acessível para crianças, ou mesmo a utilização de corrente
elétrica desproporcional, que cause morte instantânea, por exemplo,
evidentemente acarretarão a responsabilização do proprietário do dispositivo. O
instalador poderá ser responsabilizado se tiver falhado. Não basta cumprir
regulamentos sobre o assunto. É preciso avaliar se na prática houve suficiente
prevenção de riscos.
O desfecho será o mesmo se, por
exemplo, alguém eletrificar a maçaneta externa da porta de entrada de sua
residência, posto que qualquer pessoa, até mesmo aquela que comparecer para uma
visita cordial, poderá se ferir. É preciso que o dispositivo de segurança
esteja claramente identificado. A ação do aparato oculto pode configurar crime
doloso, se o risco foi previsto e aceito; ou culposo, se o resultado derivou de
precipitação ou desatenção. Ex.: Instalação de cerca para proteger plantas de
animais domésticos, mas cuja ação foi potencializada (causou morte) porque uma
criança que a tocou tinha saído da piscina (TJSP, Ap.
128979-73.2006.8.26.0000). Outro ex.: Cerca para isolar porcos que acabou sendo
tocada por criança que frequentava a casa (TJSP, Ap. 4447-88.2009.8.26.0269).
A simples eletrificação de grades que
estejam junto ao passeio público, por si só, ainda que ninguém toque nelas,
poderá configurar crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. A
legislação penal às vezes se antecipa para reprimir a mera causação de risco.
Pode ser que a pessoa lesionada teve
culpa exclusiva, como aquela que escalou cerca para entrar sem pagar na boate
(TJSP, Ap. 0000906-91.2011.8.26.0070) ou para tentar ir para o outro lado da
arquibancada do estádio de futebol (TJSP, Ap. 9196493-50.2007.8.26.0000).
A verdade é que eventual excesso
somente poderá ser apurado em cada caso. É preciso que o morador esteja ciente
dos riscos e que tome as devidas cautelas para que o mecanismo não agrida
desnecessariamente pessoas inocentes e desavisadas. Deve, por isso, indagar o
instalador e analisar tudo com muita calma.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no
Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com.br
(publicado na edição de 8/10/2015 do Diário de Penápolis;
abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 5/10/2015)