Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

12 de out. de 2015

Ofendículo – uso responsável


Ofendículo, segundo o Dicionário Aurélio, é sinônimo de estorvo, embaraço, empecilho, objeto que faz tropeçar.
No “Vocabulário Jurídico” de Plácido e Silva, ofendículos são “obstáculos que são colocados para a proteção da propriedade” (edição 2008). No dizer de Damásio E. de Jesus (Código Penal Anotado, Ed. Saraiva), são “aparatos para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça”. De fato, não se prestam apenas à defesa de bens materiais...
Às vezes o ofendículo serve para proteger terceiros, como as pessoas que caminham nas imediações de linhas férreas. A ausência dele já gerou responsabilização pelo atropelamento de um surdo que não escutou a locomotiva, pois a administradora deveria ter previsto essa possibilidade (STJ, REsp 916.156).
Dentre os mais conhecidos estão as cercas eletrificadas, os cacos de vidro, as pontas de lança e os arames farpados que comumente são instalados em imóveis.
A utilização de ofendículos normalmente configura legítima defesa se forem facilmente perceptíveis, tiverem a finalidade única da defesa propriedade ou de qualquer outro bem jurídico e agirem com moderação, de forma compatível com a agressão que pretendem evitar. Não se vislumbra ilicitude na conduta de quem promove a sua utilização regular. Afinal, a inviolabilidade do domicílio é garantida constitucionalmente e o Código Civil tolera, inclusive, o uso de força física para preservação da posse (“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” – artigo 1.210).
Como dito, deve haver moderação e compatibilidade entre o mal que possa ser causado pelo ofendículo e o mal que o morador ou empresário pretende evitar com a sua instalação. O STJ, por ex., manteve o julgamento pelo júri do indivíduo que preparou espingarda no quintal para disparar quando alguém adentrasse e acabou matando um invasor. Entendeu que não estava clara a legítima defesa (REsp 38.302, j. 10/11/1997).
A eletrificação de cerca de baixa estatura, em local acessível para crianças, ou mesmo a utilização de corrente elétrica desproporcional, que cause morte instantânea, por exemplo, evidentemente acarretarão a responsabilização do proprietário do dispositivo. O instalador poderá ser responsabilizado se tiver falhado. Não basta cumprir regulamentos sobre o assunto. É preciso avaliar se na prática houve suficiente prevenção de riscos.
O desfecho será o mesmo se, por exemplo, alguém eletrificar a maçaneta externa da porta de entrada de sua residência, posto que qualquer pessoa, até mesmo aquela que comparecer para uma visita cordial, poderá se ferir. É preciso que o dispositivo de segurança esteja claramente identificado. A ação do aparato oculto pode configurar crime doloso, se o risco foi previsto e aceito; ou culposo, se o resultado derivou de precipitação ou desatenção. Ex.: Instalação de cerca para proteger plantas de animais domésticos, mas cuja ação foi potencializada (causou morte) porque uma criança que a tocou tinha saído da piscina (TJSP, Ap. 128979-73.2006.8.26.0000). Outro ex.: Cerca para isolar porcos que acabou sendo tocada por criança que frequentava a casa (TJSP, Ap. 4447-88.2009.8.26.0269).
A simples eletrificação de grades que estejam junto ao passeio público, por si só, ainda que ninguém toque nelas, poderá configurar crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. A legislação penal às vezes se antecipa para reprimir a mera causação de risco.
Pode ser que a pessoa lesionada teve culpa exclusiva, como aquela que escalou cerca para entrar sem pagar na boate (TJSP, Ap. 0000906-91.2011.8.26.0070) ou para tentar ir para o outro lado da arquibancada do estádio de futebol (TJSP, Ap. 9196493-50.2007.8.26.0000).
A verdade é que eventual excesso somente poderá ser apurado em cada caso. É preciso que o morador esteja ciente dos riscos e que tome as devidas cautelas para que o mecanismo não agrida desnecessariamente pessoas inocentes e desavisadas. Deve, por isso, indagar o instalador e analisar tudo com muita calma.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de 8/10/2015 do Diário de Penápolis; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 5/10/2015)