Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de jun. de 2016

Extorsões por “flanelinhas”


A extorsão se diferencia do roubo porque o patrimônio da vítima não é arrebatado, mas entregue em função de uma chantagem. O ofendido tem opção de escolher entre satisfazer a pretensão do criminoso e se sujeitar ao risco anunciado.
Muitas vezes é praticada pelos que se dizem “guardadores de carros”, também conhecidos como “flanelinhas”.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça paulista tem valorizado as narrativas das vítimas, tendo em vista, principalmente, que as ações normalmente não são testemunhadas.
Nos autos da Apelação 0078705-76.2011.8.26.0050 foi indeferida pretensão de desclassificação da extorsão para constrangimento legal. Consta que a vítima foi obrigada a adquirir cartão “zona azul” por “flanelinha” que, inclusive, a impediu de sair do carro.
A reclamação de um policial civil, de que “flanelinha” lhe teria exigido R$ 10 para estacionar na via pública, foi confirmada pela segunda instância (Apelação 0012656-48.2014.8.26.0050). No dizer da vítima, depois que se identificou como servidor público, ainda recebeu um soco no rosto, o que confirma a audácia de alguns desses delinquentes...
Ficou decidido que a solução da Apelação 0019935-95.2014.8.26.0564 não dependia da análise da regularidade ou não do exercício da atividade de guardador de veículos, mas da conduta do acusado. O desembargador consignou o seu convencimento: “a vítima (...) ao recusar qualquer pagamento, despertou a ira do réu, que, como normalmente ocorre (todos sabemos), insinuou que causaria danos no veículo ali estacionado. Disse, mais, que memorizou as placas do veículo. Portanto, não adiantava ao réu estacionar em outro local, pois ainda continuaria sob a ameaça”.
A Apelação 0010984-89.2012.8.26.0562 analisou exigência de pagamento antecipado. Segundo a vítima, quando disse que pagaria somente quando retornasse, ouviu do acusado: “se você for embora, o seu carro não vai estar aqui, e se estiver estará destruído”. Decidiu-se que “a negativa do recorrente restou isolada”. Ao confirmar a condenação, o Tribunal enfatizou: “Sabemos que a atividade, guardador de carros, conhecido como flanelinhas, constitui uma prática que atenta contra a paz social e promove a degradação do ambiente urbano, porquanto, o cidadão se vê obrigado a pagar determinada quantia para estacionar seu veículo na via pública, para não ter seu bem destruído ou subtraído. Esta conduta representa a total impotência do Estado em reprimir a criminalidade e sua ineficiência em manter a ordem e coibir práticas severamente lesivas aos cidadãos”. A punição foi rigorosa: “muito embora o apelante seja primário, a violência moral empregada na execução do crime, impõe o cumprimento da pena em regime inicial fechado”.
Ao julgar a Apelação 0232027-09.2010.8.26.0000, o tribunal entendeu que o acusado tinha exigido vantagem onde se realizava concurso público e que o ofendido somente aceitou pagar porque a esposa se atrasaria para a prova e porque ouviu que do primeiro que não garantiria “que nada fosse acontecer com o veículo”. Ponderou-se: “A toda evidência, a vítima foi constrangida: o réu lhe cobrou R$10,00, sob a ameaça velada, porém suficientemente compreensível, de que o não pagamento do preço significaria a possibilidade de o carro ser danificado. A ameaça existiu, tanto que o ofendido sentiu-se intranquilo diante da atuação do acusado que, como verdadeiro “dono da rua”, exigiu o pagamento de certo preço como condição para o simples exercício de um direito que assistia à vítima, o de estacionar regularmente seu automóvel na via pública”. Houve referência a outro julgado, segundo o qual: “É evidente que a atividade de flanelinha é intimidadora, uma vez que todos sabemos que se não pagamos pelo serviço, corremos o risco de ter nossos veículos danificados” (Revisão Criminal nº 0013648-33.2012.8.26.0000).
Neste caso a exigência aconteceu na frente de um centro espírita. A ação onde a vítima procura religião é ainda mais reprovável. A vítima disse que quando se recusou a pagar, ouviu do réu que “um real não faria falta”. O acórdão mencionou: “Não menos certo é que alguns cidadãos já incorporaram em sua conduta a prática de ‘dar gorjeta’ aos ‘guardadores de carros’ para evitarem transtornos futuros. Dizer que os chamados ‘flanelinhas’ guardam automóveis na rua sem nada pedir (exigir) em troca, é utopia”. É interessante reproduzir outra conclusão: “no caso não era necessário que fosse anunciado de forma clara que a vítima estaria sujeita a retaliações caso não atendessem as determinações, bastando as ameaças implícitas dos apelantes, prevalecendo o entendimento de que, ainda que o 'flanelinha' não profira uma palavra sequer, sua atitude intimidadora com gestos, sinais, códigos etc., caracteriza ameaça do tipo penal extorsão. A atividade delituosa em questão constitui uma prática que atenta contra a paz social e promove a degradação do ambiente urbano”.
Outro “flanelinha” também foi condenado por ter dito à motorista que poderia “se dar mal” se não contribuísse (Apelação n° 04 65103-40.2010.8.26.0000). O desembargador considerou suficiente a intimidação e observou que a vítima até chorou.
É preciso de vítimas de exigências indevidas se encorajem a denunciá-las!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado no Diário de Penápolis de 2/6/2016)