A extorsão se diferencia do roubo porque o patrimônio da
vítima não é arrebatado, mas entregue em função de uma chantagem. O ofendido
tem opção de escolher entre satisfazer a pretensão do criminoso e se sujeitar
ao risco anunciado.
Muitas vezes é praticada pelos que se dizem “guardadores de
carros”, também conhecidos como “flanelinhas”.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça paulista tem
valorizado as narrativas das vítimas, tendo em vista, principalmente, que as
ações normalmente não são testemunhadas.
Nos autos da Apelação 0078705-76.2011.8.26.0050 foi
indeferida pretensão de desclassificação da extorsão para constrangimento
legal. Consta que a vítima foi obrigada a adquirir cartão “zona azul” por “flanelinha”
que, inclusive, a impediu de sair do carro.
A reclamação de um policial civil, de que “flanelinha” lhe
teria exigido R$ 10 para estacionar na via pública, foi confirmada pela segunda
instância (Apelação 0012656-48.2014.8.26.0050). No dizer da vítima, depois que
se identificou como servidor público, ainda recebeu um soco no rosto, o que
confirma a audácia de alguns desses delinquentes...
Ficou decidido que a solução da Apelação
0019935-95.2014.8.26.0564 não dependia da análise da regularidade ou não do
exercício da atividade de guardador de veículos, mas da conduta do acusado. O
desembargador consignou o seu convencimento: “a vítima (...) ao recusar
qualquer pagamento, despertou a ira do réu, que, como normalmente ocorre (todos
sabemos), insinuou que causaria danos no veículo ali estacionado. Disse, mais,
que memorizou as placas do veículo. Portanto, não adiantava ao réu estacionar
em outro local, pois ainda continuaria sob a ameaça”.
A Apelação 0010984-89.2012.8.26.0562 analisou exigência de
pagamento antecipado. Segundo a vítima, quando disse que pagaria somente quando
retornasse, ouviu do acusado: “se você for embora, o seu carro não vai estar
aqui, e se estiver estará destruído”. Decidiu-se que “a negativa do recorrente
restou isolada”. Ao confirmar a condenação, o Tribunal enfatizou: “Sabemos que
a atividade, guardador de carros, conhecido como flanelinhas, constitui uma
prática que atenta contra a paz social e promove a degradação do ambiente
urbano, porquanto, o cidadão se vê obrigado a pagar determinada quantia para estacionar
seu veículo na via pública, para não ter seu bem destruído ou subtraído. Esta
conduta representa a total impotência do Estado em reprimir a criminalidade e
sua ineficiência em manter a ordem e coibir práticas severamente lesivas aos
cidadãos”. A punição foi rigorosa: “muito embora o apelante seja primário, a
violência moral empregada na execução do crime, impõe o cumprimento da pena em
regime inicial fechado”.
Ao julgar a Apelação 0232027-09.2010.8.26.0000, o tribunal entendeu
que o acusado tinha exigido vantagem onde se realizava concurso público e que o
ofendido somente aceitou pagar porque a esposa se atrasaria para a prova e
porque ouviu que do primeiro que não garantiria “que nada fosse acontecer com o
veículo”. Ponderou-se: “A toda evidência, a vítima foi constrangida: o réu lhe
cobrou R$10,00, sob a ameaça velada, porém suficientemente compreensível, de
que o não pagamento do preço significaria a possibilidade de o carro ser
danificado. A ameaça existiu, tanto que o ofendido sentiu-se intranquilo diante
da atuação do acusado que, como verdadeiro “dono da rua”, exigiu o pagamento de
certo preço como condição para o simples exercício de um direito que assistia à
vítima, o de estacionar regularmente seu automóvel na via pública”. Houve
referência a outro julgado, segundo o qual: “É evidente que a atividade de
flanelinha é intimidadora, uma vez que todos sabemos que se não pagamos pelo
serviço, corremos o risco de ter nossos veículos danificados” (Revisão Criminal
nº 0013648-33.2012.8.26.0000).
Neste caso a exigência aconteceu na frente de um centro
espírita. A ação onde a vítima procura religião é ainda mais reprovável. A
vítima disse que quando se recusou a pagar, ouviu do réu que “um real não faria
falta”. O acórdão mencionou: “Não menos certo é que alguns cidadãos já
incorporaram em sua conduta a prática de ‘dar gorjeta’ aos ‘guardadores de
carros’ para evitarem transtornos futuros. Dizer que os chamados ‘flanelinhas’
guardam automóveis na rua sem nada pedir (exigir) em troca, é utopia”. É
interessante reproduzir outra conclusão: “no caso não era necessário que fosse
anunciado de forma clara que a vítima estaria sujeita a retaliações caso não
atendessem as determinações, bastando as ameaças implícitas dos apelantes,
prevalecendo o entendimento de que, ainda que o 'flanelinha' não profira uma
palavra sequer, sua atitude intimidadora com gestos, sinais, códigos etc.,
caracteriza ameaça do tipo penal extorsão. A atividade delituosa em questão
constitui uma prática que atenta contra a paz social e promove a degradação do
ambiente urbano”.
Outro “flanelinha” também foi condenado por ter dito à
motorista que poderia “se dar mal” se não contribuísse (Apelação n° 04
65103-40.2010.8.26.0000). O desembargador considerou suficiente a intimidação e
observou que a vítima até chorou.
É preciso de vítimas de exigências indevidas se encorajem a
denunciá-las!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado no Diário de
Penápolis de 2/6/2016)