Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de jun. de 2016

Anúncio – erro perceptível não vincula o comerciante

Tício passeava pelo “shopping” quando deparou com oferta com os dizeres “leve mais por menos – PS4 Sony de R$ 2.199 por R$ 1.199 em 10 x de R$ 119,90 no cartão de crédito”. Houve imediato interesse pela aquisição do produto. Ao tentar efetivar a compra, foi informado de que o anúncio estava equivocado, pois, em verdade, o objeto custava R$ 1.999. O gerente foi acionado, pediu desculpas e se recusou a manter a oferta anunciada. Mesmo inconformado, o jovem adquiriu o produto por R$ 1.999. Em seguida, ajuizou ação sob o argumento de que se sentiu lesado por ter acreditado em propaganda enganosa. Requereu restituição do dobro da diferença entre R$ 1.199 e R$ 1.999 (R$ 1.600,00), bem como indenização por danos morais no importe de R$ 16 mil (20 vezes o valor que teria sido cobrado a mais).
Segundo a parte requerida (empresa do comércio varejista), houve erro material na indicação do valor da oferta. O produto custava quase duas vezes o preço anunciado e por isso “a oferta não tinha aparência de seriedade”.
O videogame estava sendo vendido por R$ 2.199 e a empresa, no intuito de anunciar o preço promocional de R$ 1.999 (cerca de 9% de desconto), acabou anunciando R$ 1.199 (cerca de 46% de desconto, ou seja, quase metade do preço que vinha sendo praticado). Descontos dessa natureza normalmente são concedidos para peças de mostruário (com defeitos aparentes) ou naquelas liquidações, amplamente divulgadas, disputadas por pessoas que pernoitam em filas e que, vez ou outra, até agridem os concorrentes para garantirem os objetos ofertados...
Quem confeccionou a placa errou na grafia do segundo dígito da milhar. Todavia, o discreto anúncio que foi colocado no chão, bem no canto da vitrine, não trazia nenhum percentual de desconto. Ao lado do Sony PS4 estava o Xbox On, anunciado com placa do mesmo estilo, de R$ 2.300 por R$ 1.899,00, ou seja, com desconto de 18%.
O demandante era jovem (27 anos) e tinha curso técnico. Portanto, era pessoa esclarecida. Tinha pleno conhecimento do valor de mercado do eletrônico, tanto que, ao deparar com o anúncio que apresentava valor infinitamente menor, imediatamente ingressou na loja. Não havia razão alguma para que não tivesse detectado, de plano, que o anúncio estava equivocado. Não tinha motivo para criar tanta expectativa...
Segundo o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
Todavia, a oferta que contempla erro grosseiro não obriga o anunciante. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, nos autos da Apelação 0000102-54.2014.8.26.0059, em dezembro de 2015, ao analisar caso de anúncio de computador por valor muito abaixo do preço de mercado, que o erro era justificável. Ponderou que o artigo 30 do CDC “deve ser interpretado em conjunto com os demais princípios consumeristas ... ante o princípio da boa fé e a proibição do enriquecimento ilícito”. Em resumo, o Judiciário não pode impor vantagem exagerada ao consumidor que se aproveita de um erro perceptível (que não pode ser equiparado à propaganda enganosa) para exigir a compra e dessa forma prejudicar o fornecedor. No caso analisado, o valor real do produto era R$ 2.398 e o anúncio apontava R$ 580. O “site” publicou errata e contatou quem tinha concluído a compra para restituir o dinheiro.
Ao enfrentar o mérito do pedido, salientei que a parte exagerou ao demandar, iniciativa que pode ter sido fomentada pelo fácil acesso à advogada (que tinha os mesmos sobrenomes) e pela ausência de risco, já que na primeira fase o Juizado não exige recolhimento de custas. Afirmei, também, que a parte exagerou ao ocupar o tempo e a estrutura da Polícia Civil para a lavratura de boletim de ocorrência sobre fato claramente atípico (não criminoso), sob o famigerado rótulo de “preservação de direitos”. O próprio requerente admitiu que o gerente lhe explicou que se tratava de um equívoco e que se desculpou. Falhas acontecem... Letreiros e anúncios com erros diversos, inclusive erros crassos de ortografia, são bastante comuns... Enfatizei que o mesmo requerente que exigiu respeito etc., ao deduzir pedido indenizatório no importe de R$ 16 mil, demonstrou nítida intenção de se aproveitar daquilo que não passou de um erro evidente. Quis se aproveitar das circunstâncias que envolveram a aquisição de um videogame para tentar mobiliar a casa toda, com o que o Judiciário não poderia compactuar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 21/4/2016 do Diário de Penápolis)