Tício passeava pelo
“shopping” quando deparou com oferta com os dizeres “leve mais por menos – PS4
Sony de R$ 2.199 por R$ 1.199 em 10 x de R$ 119,90 no cartão de crédito”. Houve
imediato interesse pela aquisição do produto. Ao tentar efetivar a compra, foi
informado de que o anúncio estava equivocado, pois, em verdade, o objeto
custava R$ 1.999. O gerente foi acionado, pediu desculpas e se recusou a manter
a oferta anunciada. Mesmo inconformado, o jovem adquiriu o produto por R$
1.999. Em seguida, ajuizou ação sob o argumento de que se sentiu lesado por ter
acreditado em propaganda enganosa. Requereu restituição do dobro da diferença
entre R$ 1.199 e R$ 1.999 (R$ 1.600,00), bem como indenização por danos morais
no importe de R$ 16 mil (20 vezes o valor que teria sido cobrado a mais).
Segundo a parte requerida
(empresa do comércio varejista), houve erro material na indicação do valor da
oferta. O produto custava quase duas vezes o preço anunciado e por isso “a
oferta não tinha aparência de seriedade”.
O videogame estava sendo
vendido por R$ 2.199 e a empresa, no intuito de anunciar o preço promocional de
R$ 1.999 (cerca de 9% de desconto), acabou anunciando R$ 1.199 (cerca de 46% de
desconto, ou seja, quase metade do preço que vinha sendo praticado). Descontos
dessa natureza normalmente são concedidos para peças de mostruário (com
defeitos aparentes) ou naquelas liquidações, amplamente divulgadas, disputadas
por pessoas que pernoitam em filas e que, vez ou outra, até agridem os
concorrentes para garantirem os objetos ofertados...
Quem confeccionou a placa
errou na grafia do segundo dígito da milhar. Todavia, o discreto anúncio que
foi colocado no chão, bem no canto da vitrine, não trazia nenhum percentual de
desconto. Ao lado do Sony PS4 estava o Xbox On, anunciado com placa do mesmo
estilo, de R$ 2.300 por R$ 1.899,00, ou seja, com desconto de 18%.
O demandante era jovem (27
anos) e tinha curso técnico. Portanto, era pessoa esclarecida. Tinha pleno
conhecimento do valor de mercado do eletrônico, tanto que, ao deparar com o
anúncio que apresentava valor infinitamente menor, imediatamente ingressou na
loja. Não havia razão alguma para que não tivesse detectado, de plano, que o
anúncio estava equivocado. Não tinha motivo para criar tanta expectativa...
Segundo o artigo 30 do
Código de Defesa do Consumidor: “Toda informação
ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio
de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o
contrato que vier a ser celebrado”.
Todavia, a oferta que
contempla erro grosseiro não obriga o anunciante. O Tribunal de Justiça de São
Paulo decidiu, nos autos da Apelação 0000102-54.2014.8.26.0059, em dezembro de
2015, ao analisar caso de anúncio de computador por valor muito abaixo do preço
de mercado, que o erro era justificável. Ponderou que o artigo 30 do CDC “deve
ser interpretado em conjunto com os demais princípios consumeristas ... ante o
princípio da boa fé e a proibição do enriquecimento ilícito”. Em resumo, o
Judiciário não pode impor vantagem exagerada ao consumidor que se aproveita de
um erro perceptível (que não pode ser equiparado à propaganda enganosa) para
exigir a compra e dessa forma prejudicar o fornecedor. No caso analisado, o
valor real do produto era R$ 2.398 e o anúncio apontava R$ 580. O “site”
publicou errata e contatou quem tinha concluído a compra para restituir o
dinheiro.
Ao enfrentar o mérito do
pedido, salientei que a parte exagerou ao demandar, iniciativa que pode ter
sido fomentada pelo fácil acesso à advogada (que tinha os mesmos sobrenomes) e
pela ausência de risco, já que na primeira fase o Juizado não exige
recolhimento de custas. Afirmei, também, que a parte exagerou ao ocupar o tempo
e a estrutura da Polícia Civil para a lavratura de boletim de ocorrência sobre
fato claramente atípico (não criminoso), sob o famigerado rótulo de
“preservação de direitos”. O próprio requerente admitiu que o gerente lhe
explicou que se tratava de um equívoco e que se desculpou. Falhas acontecem...
Letreiros e anúncios com erros diversos, inclusive erros crassos de ortografia,
são bastante comuns... Enfatizei que o mesmo requerente que exigiu respeito
etc., ao deduzir pedido indenizatório no importe de R$ 16 mil, demonstrou
nítida intenção de se aproveitar daquilo que não passou de um erro evidente.
Quis se aproveitar das circunstâncias que envolveram a aquisição de um
videogame para tentar mobiliar a casa toda, com o que o Judiciário não poderia
compactuar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com
(publicado na edição de 21/4/2016 do Diário de Penápolis)