Algumas vezes a imprensa já noticiou que ladrões
arrependidos não só devolveram os pertences às vítimas, como redigiram cartas
por meio das quais lhes pediram desculpas... Algumas vítimas, inclusive, já
invocaram compaixão e manifestaram desinteresse pela apuração dos fatos que já
tinham registrado...
É compreensível que o anúncio do arrependimento,
principalmente quando o ladrão alega dificuldade para sustentar a família em
razão de desemprego etc., possa causar comoção.
Todavia, o furto e o roubo são crimes contra o patrimônio
cuja apuração independe da concordância da vítima. A ação penal é classificada
como incondicionada. Depois do registro, as autoridades tem o dever de
investigar o ocorrido e, se houver indícios suficientes da autoria, deflagrar
ação penal.
Não há como “retirar a queixa” (expressão popularmente
utilizada) porque toda a coletividade tem interesse na investigação e repressão
desses tipos de crimes. Aliás, a apuração da grande maioria das infrações não
se condiciona à concordância da vítima.
A legislação apenas exige anuência da vítima quando a
apuração em si possa intensificar o seu sofrimento ou até lhe causar mais danos
do que o próprio crime, como pode acontecer com o estupro de mulher maior de 18
anos e capaz, que acaba sendo exposta ao ter de relatar o ocorrido na delegacia
e no Fórum e ao ter de se submeter a exame médico.
De qualquer forma, a legislação incentiva a confissão e a
trata como atenuante da pena, já que é indício de ressocialização e favorece a
decisão judicial. O ladrão arrependido, quando confessa, além de fomentar a
reconstrução interior, pode ter a pena abrandada. Nos crimes cometidos sem
violência ou grave ameaça à pessoa (como o furto), se o infrator, além de
confessar, até o recebimento da denúncia ou da queixa, reparar o dano ou
restituir a coisa, terá a pena reduzida de um a dois terços. Nos crimes que
somente são apurados por iniciativa da vítima (como costuma acontecer quando há
ofensa à honra), o arrependimento aceito pode gerar extinção da punibilidade.
É preciso que aquele que realmente tenha culpa avalie o
custo-benefício de continuar negando a autoria. Essa negativa, muito embora
constitua uma prerrogativa do acusado, quando ficar isolada no conjunto
probatório, além de não evitar a responsabilização penal, pode se tornar um
empecilho à aplicação de benefícios legalmente previstos. Pode tornar a
tramitação do processo mais demorada, o que não deixa de significar um incômodo
para quem está sendo investigado. Confessar e não recorrer podem surtir efeitos
muito positivos na vida de quem acaba delinquindo.
Direito ao silêncio
O Evangelho de Lucas relata que Jesus foi interpelado por
Herodes, mas se manteve silente, tendo, em seguida, sido enviado a Pilatos,
que, assim como o primeiro, reconheceu ausência de motivo para condená-lo, mas
não quis se indispor com o público que exigia o sacrifício (23:9). Naquela
ocasião, segundo os textos sagrados, pouco importava o que Cristo teria a
dizer, já que seria mesmo crucificado, mas, de certa forma, o seu silêncio não
foi apontado como causa da condenação. Os Evangelhos de Mateus (26:63; 27:12) e
Marcos (14:61) também referenciam o silêncio. O Evangelho de João contempla
passagem em que Pilatos adverte Jesus de que poderia perdoá-lo se se propusesse
a se explicar (19:10). Confira-se, também, Isaías, 53:7.
No nosso sistema processual, o juiz não pode usar como
fundamento aquela tradicional conclusão popular de que quem não se explica “tem
culpa no cartório”, ou seja, de que se o réu nada diz, é porque não tem nada
relevante a falar para se defender. O julgador não pode concluir que “quem
cala, consente”. Não pode presumir nada. Muito menos pode zombar do acusado,
tal como Herodes.
Quando o Código de Processo Penal (CPP) foi editado, em 1941,
ao tratar do interrogatório do réu, previu que o juiz deveria adverti-lo de que
não era obrigado a responder às perguntas, mas que o seu silêncio poderia ser
interpretado em prejuízo da própria defesa (art. 186). O art. 198 ressaltou que
o silêncio não importaria confissão, mas poderia constituir elemento para a
formação do convencimento do juiz. As regras destoavam até daquilo que norteou
o “julgamento” de Jesus. Um retrocesso... Decorrência da realidade política
(governo Vargas)...
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 5º,
inciso LXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado”. É evidente que o exercício de uma prerrogativa constitucional não
pode, ao mesmo tempo, gerar risco de interpretação do silêncio em desfavor do
acusado.
Até por isso, o art. 186 do CPP foi alterado para prever:
“... o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do
seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem
formuladas. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa”. No rito do júri, alteração legislativa
também proibiu, durante os debates, referências, em prejuízo do réu, ao
silêncio dele (art. 478).
A opção pelo silêncio pode ter várias motivações. Às vezes o
indivíduo se arrepende de imediato e prefere não “inventar” nada, mas se calar
e iniciar, rapidamente, a reparação do mal causado. Não quer reviver a sua
falta. Em outros casos, tem receio de contar o que se passou para não envolver
terceiros e não sofrer represálias, muito embora inocente. O silêncio,
portanto, nem sempre retrata personalidade desviada ou falta de arrependimento.
O Supremo, ao resolver o “Habeas Corpus” 94.601, deixou
claro: “Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial - notadamente
após o advento da Lei nº 10.792/2003 - qualifica-se como ato de defesa do réu,
que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado
processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica
em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa” (Min.
Celso de Mello).
O mesmo STF também já decidiu que o fato de o investigado
não ter comparecido à delegacia de polícia para se pronunciar, por si só, não
justifica prisão preventiva, pois ele tem garantia constitucional de não
auto-incriminação (“Habeas Corpus” 84.503 – Min. Cezar Peluso).
Já não se discute que o direito deve ser respeito também por
comissões parlamentares de inquérito (STF, HC 100.200, Min. Joaquim Barbosa).
O direito ao silêncio também deve ser informado ao
investigado pela autoridade policial, que deve se espelhar nas regras previstas
para o interrogatório judicial. O delegado não pode induzir o preso a não se
pronunciar apenas para concluir mais rapidamente o seu trabalho, ou seja, para
a sua própria comodidade. Deve deixar bem claro que a manifestação do preso
pode ser muito importante para nortear o rumo da investigação e que poderá ser
bem recebida pelo Judiciário. Ainda que o silêncio não possa ser considerado em
prejuízo do investigado, uma boa justificativa poderá favorecer diligências que
possam confirmar, por exemplo, que ele não estava no local do crime, que agiu
em legitima defesa, que se verificou alguma circunstância que possa abrandar a
sua situação etc. Além disso, o Judiciário sempre terá mais facilidade para
decidir se contar com a versão do investigado/acusado. Por fim, é sempre
conveniente lembrar que a confissão está prevista como circunstância atenuante
no art. 65 do Código Penal e que sempre significa grande passo rumo à
reconstrução.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 16/6/2016 do Diário de Penápolis)