Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de jun. de 2016

Vantagens para o criminoso arrependido

Algumas vezes a imprensa já noticiou que ladrões arrependidos não só devolveram os pertences às vítimas, como redigiram cartas por meio das quais lhes pediram desculpas... Algumas vítimas, inclusive, já invocaram compaixão e manifestaram desinteresse pela apuração dos fatos que já tinham registrado...
É compreensível que o anúncio do arrependimento, principalmente quando o ladrão alega dificuldade para sustentar a família em razão de desemprego etc., possa causar comoção.
Todavia, o furto e o roubo são crimes contra o patrimônio cuja apuração independe da concordância da vítima. A ação penal é classificada como incondicionada. Depois do registro, as autoridades tem o dever de investigar o ocorrido e, se houver indícios suficientes da autoria, deflagrar ação penal.
Não há como “retirar a queixa” (expressão popularmente utilizada) porque toda a coletividade tem interesse na investigação e repressão desses tipos de crimes. Aliás, a apuração da grande maioria das infrações não se condiciona à concordância da vítima.
A legislação apenas exige anuência da vítima quando a apuração em si possa intensificar o seu sofrimento ou até lhe causar mais danos do que o próprio crime, como pode acontecer com o estupro de mulher maior de 18 anos e capaz, que acaba sendo exposta ao ter de relatar o ocorrido na delegacia e no Fórum e ao ter de se submeter a exame médico.
De qualquer forma, a legislação incentiva a confissão e a trata como atenuante da pena, já que é indício de ressocialização e favorece a decisão judicial. O ladrão arrependido, quando confessa, além de fomentar a reconstrução interior, pode ter a pena abrandada. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa (como o furto), se o infrator, além de confessar, até o recebimento da denúncia ou da queixa, reparar o dano ou restituir a coisa, terá a pena reduzida de um a dois terços. Nos crimes que somente são apurados por iniciativa da vítima (como costuma acontecer quando há ofensa à honra), o arrependimento aceito pode gerar extinção da punibilidade.
É preciso que aquele que realmente tenha culpa avalie o custo-benefício de continuar negando a autoria. Essa negativa, muito embora constitua uma prerrogativa do acusado, quando ficar isolada no conjunto probatório, além de não evitar a responsabilização penal, pode se tornar um empecilho à aplicação de benefícios legalmente previstos. Pode tornar a tramitação do processo mais demorada, o que não deixa de significar um incômodo para quem está sendo investigado. Confessar e não recorrer podem surtir efeitos muito positivos na vida de quem acaba delinquindo.
Direito ao silêncio
O Evangelho de Lucas relata que Jesus foi interpelado por Herodes, mas se manteve silente, tendo, em seguida, sido enviado a Pilatos, que, assim como o primeiro, reconheceu ausência de motivo para condená-lo, mas não quis se indispor com o público que exigia o sacrifício (23:9). Naquela ocasião, segundo os textos sagrados, pouco importava o que Cristo teria a dizer, já que seria mesmo crucificado, mas, de certa forma, o seu silêncio não foi apontado como causa da condenação. Os Evangelhos de Mateus (26:63; 27:12) e Marcos (14:61) também referenciam o silêncio. O Evangelho de João contempla passagem em que Pilatos adverte Jesus de que poderia perdoá-lo se se propusesse a se explicar (19:10). Confira-se, também, Isaías, 53:7.
No nosso sistema processual, o juiz não pode usar como fundamento aquela tradicional conclusão popular de que quem não se explica “tem culpa no cartório”, ou seja, de que se o réu nada diz, é porque não tem nada relevante a falar para se defender. O julgador não pode concluir que “quem cala, consente”. Não pode presumir nada. Muito menos pode zombar do acusado, tal como Herodes.
Quando o Código de Processo Penal (CPP) foi editado, em 1941, ao tratar do interrogatório do réu, previu que o juiz deveria adverti-lo de que não era obrigado a responder às perguntas, mas que o seu silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa (art. 186). O art. 198 ressaltou que o silêncio não importaria confissão, mas poderia constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. As regras destoavam até daquilo que norteou o “julgamento” de Jesus. Um retrocesso... Decorrência da realidade política (governo Vargas)...
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 5º, inciso LXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. É evidente que o exercício de uma prerrogativa constitucional não pode, ao mesmo tempo, gerar risco de interpretação do silêncio em desfavor do acusado.
Até por isso, o art. 186 do CPP foi alterado para prever: “... o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. No rito do júri, alteração legislativa também proibiu, durante os debates, referências, em prejuízo do réu, ao silêncio dele (art. 478).
A opção pelo silêncio pode ter várias motivações. Às vezes o indivíduo se arrepende de imediato e prefere não “inventar” nada, mas se calar e iniciar, rapidamente, a reparação do mal causado. Não quer reviver a sua falta. Em outros casos, tem receio de contar o que se passou para não envolver terceiros e não sofrer represálias, muito embora inocente. O silêncio, portanto, nem sempre retrata personalidade desviada ou falta de arrependimento.
O Supremo, ao resolver o “Habeas Corpus” 94.601, deixou claro: “Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial - notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 - qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa” (Min. Celso de Mello).
O mesmo STF também já decidiu que o fato de o investigado não ter comparecido à delegacia de polícia para se pronunciar, por si só, não justifica prisão preventiva, pois ele tem garantia constitucional de não auto-incriminação (“Habeas Corpus” 84.503 – Min. Cezar Peluso).
Já não se discute que o direito deve ser respeito também por comissões parlamentares de inquérito (STF, HC 100.200, Min. Joaquim Barbosa).
O direito ao silêncio também deve ser informado ao investigado pela autoridade policial, que deve se espelhar nas regras previstas para o interrogatório judicial. O delegado não pode induzir o preso a não se pronunciar apenas para concluir mais rapidamente o seu trabalho, ou seja, para a sua própria comodidade. Deve deixar bem claro que a manifestação do preso pode ser muito importante para nortear o rumo da investigação e que poderá ser bem recebida pelo Judiciário. Ainda que o silêncio não possa ser considerado em prejuízo do investigado, uma boa justificativa poderá favorecer diligências que possam confirmar, por exemplo, que ele não estava no local do crime, que agiu em legitima defesa, que se verificou alguma circunstância que possa abrandar a sua situação etc. Além disso, o Judiciário sempre terá mais facilidade para decidir se contar com a versão do investigado/acusado. Por fim, é sempre conveniente lembrar que a confissão está prevista como circunstância atenuante no art. 65 do Código Penal e que sempre significa grande passo rumo à reconstrução.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 16/6/2016 do Diário de Penápolis)