O
Evangelho de Lucas relata que Jesus foi interpelado por Herodes, mas se manteve
silente, tendo, em seguida, sido enviado a Pilatos, que, assim como o primeiro,
reconheceu ausência de motivo para condená-lo, mas não quis se indispor com o
público que exigia o sacrifício (23:9). Naquela ocasião, segundo os textos
sagrados, pouco importava o que Cristo teria a dizer, já que seria mesmo
crucificado, mas, de certa forma, o seu silêncio não foi apontado como causa da
condenação. Os Evangelhos de Mateus (26:63; 27:12) e Marcos (14:61) também
referenciam o silêncio. O Evangelho de João contempla passagem em que Pilatos
adverte Jesus de que poderia perdoá-lo se se propusesse a se explicar (19:10).
Confira-se, também, Isaías, 53:7.
No
nosso sistema processual, o juiz não pode usar como fundamento aquela
tradicional conclusão popular de que quem não se explica “tem culpa no
cartório”, ou seja, de que se o réu nada diz, é porque não tem nada relevante a
falar para se defender. O julgador não pode concluir que “quem cala, consente”.
Não pode presumir nada. Muito menos pode zombar do acusado, tal como Herodes.
Quando
o Código de Processo Penal (CPP) foi editado, em 1941, ao tratar do
interrogatório do réu, previu que o juiz deveria adverti-lo de que não era
obrigado a responder às perguntas, mas que o seu silêncio poderia ser
interpretado em prejuízo da própria defesa (art. 186). O art. 198 ressaltou que
o silêncio não importaria confissão, mas poderia constituir elemento para a
formação do convencimento do juiz. As regras destoavam até daquilo que norteou
o “julgamento” de Jesus. Um retrocesso... Decorrência da realidade política
(governo Vargas)...
A Constituição
Federal de 1988 estabeleceu, no art. 5º, inciso LXIII: “o preso será informado
de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado”. É evidente que o exercício de uma
prerrogativa constitucional não pode, ao mesmo tempo, gerar risco de
interpretação do silêncio em desfavor do acusado.
Até por
isso, o art. 186 do CPP foi alterado para prever: “... o acusado será informado
pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O silêncio, que
não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.
No rito do júri, alteração legislativa também proibiu, durante os debates,
referências, em prejuízo do réu, ao silêncio dele (art. 478).
A opção
pelo silêncio pode ter várias motivações. Às vezes o indivíduo se arrepende de
imediato e prefere não “inventar” nada, mas se calar e iniciar, rapidamente, a
reparação do mal causado. Não quer reviver a sua falta. Em outros casos, tem
receio de contar o que se passou para não envolver terceiros e não sofrer
represálias, muito embora inocente. O silêncio, portanto, nem sempre retrata personalidade
desviada ou falta de arrependimento.
O
Supremo, ao resolver o “Habeas Corpus” 94.601, deixou claro: “Em sede de
persecução penal, o interrogatório judicial - notadamente após o advento da Lei
nº 10.792/2003 - qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser
obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante,
também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do
exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa” (Min. Celso de Mello).
O mesmo
STF também já decidiu que o fato de o investigado não ter comparecido à
delegacia de polícia para se pronunciar, por si só, não justifica prisão
preventiva, pois ele tem garantia constitucional de não auto-incriminação
(“Habeas Corpus” 84.503 – Min. Cezar Peluso).
Já não
se discute que o direito deve ser respeito também por comissões parlamentares
de inquérito (STF, HC 100.200, Min. Joaquim Barbosa).
O
direito ao silêncio também deve ser informado ao investigado pela autoridade
policial, que deve se espelhar nas regras previstas para o interrogatório
judicial. O delegado não pode induzir o preso a não se pronunciar apenas para
concluir mais rapidamente o seu trabalho, ou seja, para a sua própria
comodidade. Deve deixar bem claro que a manifestação do preso pode ser muito
importante para nortear o rumo da investigação e que poderá ser bem recebida
pelo Judiciário. Ainda que o silêncio não possa ser considerado em prejuízo do investigado,
uma boa justificativa poderá favorecer diligências que possam confirmar, por
exemplo, que ele não estava no local do crime, que agiu em legitima defesa, que
se verificou alguma circunstância que possa abrandar a sua situação etc. Além
disso, o Judiciário sempre terá mais facilidade para decidir se contar com a
versão do investigado/acusado. Por fim, é sempre conveniente lembrar que a confissão
está prevista como circunstância atenuante no art. 65 do Código Penal e que
sempre significa grande passo rumo à reconstrução.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito
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(publicado
na edição de 24/3/2016 do Diário de Penápolis)