Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de jun. de 2016

Bloqueio do WhatsApp, gregos e troianos...

Dias atrás o tradicional aplicativo WhatsApp foi bloqueado judicialmente e permaneceu inoperante por algumas horas. Não foi a primeira vez...
Não costumo comentar decisão judicial, especialmente quando não conheço detalhes do caso. Não me esqueço, ainda, de que podem existir dois ou mais pontos de vista juridicamente defensáveis, embasados em bons argumentos, e adotar um deles para resolver uma questão não significa, necessariamente, julgar errado.
Decidi fazer rápidas considerações, tão-somente, porque a imprensa noticiou que o magistrado que determinou o bloqueio pode vir a ser investigado por órgão corregedor, o que me causou estranheza.
O Poder Judiciário, ao decidir, não deve se preocupar se vai agradar ou desagradar alguém. Ninguém é obrigado a concordar com as decisões e é por isso que existem instâncias superiores. Ainda assim, nem sempre que uma decisão é revista por outra instância, é porque era equivocada. A revisão de um julgado pode acontecer apenas porque os encarregados de analisarem o recurso adotam interpretação diversa da lei ou das provas. Essas divergências são comuns no Direito. É por isso que o juiz não deve se ofender quando há recurso e nem quando ele é provido. Não deve se sentir “perdedor” ou incapaz. Ao contrário, na maioria dos casos, o juiz continua convicto de que decidiu corretamente, muito embora tenha se sujeitar à revisão. Deve ser o caso do juiz de Sergipe.
Suspeito que havia bons motivos para decretar a suspensão do WhatsApp... A nossa Constituição garante o sigilo das comunicações, mas não de forma absoluta. Todo interesse privado deve sucumbir ao interesse público. A nossa legislação prevê expressamente a interceptação telefônica e a quebra de sigilo de correspondência, se houver motivo justificável.
Não aprofundei o estudo de normas que disciplinam aplicativos de comunicação e nem era o caso de fazê-lo. Todavia, toda empresa que atua no Brasil tem de se sujeitar às regras e princípios constitucionais. Admitir que um aplicativo garanta, de forma absoluta, o sigilo de comunicação, não me parece adequado. Se essa situação persistir, de que forma o Estado poderá combater crimes? Bastará que delinquentes organizem investidas pelo aplicativo e apaguem as mensagens logo em seguida para que os seus planos não sejam descobertos...
Não tive acesso à deliberação de bloqueio do WhatsApp. O “site” Consultor Jurídico noticiou que ela foi mantida por um desembargador de Sergipe e que em seguida outro desembargador a revogou. Foi decretado sigilo processual. Mesmo na segunda instância, como se vê, houve divergência. A questão é bastante controversa, muito embora alguns se sintam habilitados a comentá-la de forma “apaixonada”, apenas porque privados do seu aplicativo preferido, como se não houvesse outra maneira de se comunicar.
De qualquer forma, consta que o bloqueio foi determinado porque a empresa que administra o aplicativo se negou a fornecer diálogos necessários à investigação de organização criminosa. Assim sendo, no meu entender, tinha amparo legal. Outras decisões idênticas já foram tomadas em outros Estados. Será que todos os julgadores estavam delirando? Além disso, o bloqueio deflagrou discussão válida sobre a necessidade de regulamentar melhor esse tipo de aplicativo para que a sociedade não fique refém de criminosos. Parece que o Congresso está analisando o assunto e advogados da empresa já vieram se explicar.
A intenção do juiz não era, especificamente, a de atingir todos que operam o WhatsApp no Brasil. É bem possível que vários de seus familiares são usuários do aplicativo. Talvez ele mesmo faça uso... Muitos criticaram o magistrado (e muitos poderão me criticar por este texto, o que não importará, desde que não haja desrespeito), mas o que as pessoas tem de entender é que decisão judicial nem sempre consegue agradar aos “gregos e troianos”... Tomara que um dia esses críticos ou seus familiares não sejam vítimas de crimes graves cujas investigações dependam, exclusivamente, da análise de contatos feitos pelo WhatsApp...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 5/5/2016 do Diário de Penápolis)