Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

24 de nov. de 2016

Bem de família e fiança locatícia

A penhora é uma medida constritiva por meio da qual o Poder Judiciário vincula determinados bens à dívida que alguém, uma vez notificado, deixou de saldar. Efetivada a penhora, tais bens passarão a servir como garantia do pagamento.
A Lei Federal 8.009/1990 restringe a penhora do chamado “bem de família”, em linhas gerais, da seguinte maneira:
a) “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”;
b) “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”;
c) “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”.
A casa do devedor é impenhorável, mas há exceções. Quem contrai obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação não pode invocar impenhorabilidade. Bem por isso, o fiador deve fiscalizar constantemente a pontualidade do afiançado, a fim de não ter uma surpresa desagradável quando a dívida se acumular...
Nos autos do Recurso Especial 1.363.368, em 2013, a parte recorrente invocou ofensa ao princípio da solidariedade e à dignidade do garantidor (fiador) e de sua família ao alegar que é desproporcional impor a perda do imóvel residencial. Criticou a sobreposição de um direito disponível – crédito – sobre um direito fundamental – moradia – que foi previsto no artigo 6º pela Emenda Constitucional 26/2000. O Superior Tribunal de Justiça, todavia, acabou reafirmando entendimento que ser observado pelos tribunais inferiores e juízos de direito: "É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o artigo 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990". Destacou que o Supremo Tribunal tem confirmado a constitucionalidade da norma que permite a penhora do bem de família por dívida de fiança locatícia (Recurso Extraordinário 407.688, julgado em 2006; Recurso Extraordinário 612.360, julgado em 2010, com repercussão geral).
No julgamento do RE 612.360 pelo STF, o Min. Joaquim Barbosa ponderou, didaticamente, ao tratar do direito à moradia que acaba sendo atingido pela penhora contra o fiador: “A decisão de prestar fiança, como já disse, é expressão da liberdade, do direito à livre contratação. Ao fazer uso dessa franquia constitucional, o cidadão, por livre e espontânea vontade, põe em risco a incolumidade de um direito fundamental social que lhe é assegurado na Constituição”.
Um dos argumentos invocados em favor dessa permissão de penhora é o fato de que ela fomenta o mercado imobiliário, pois, se deixasse de ser aplicada, proprietários de imóveis poderiam se desestimular, o que prejudicaria muita gente que não tem casa própria, seja pela redução da oferta, seja pelo consequente encarecimento dos alugueres.
Em resumo, quando você se dispõe a ser fiador para ajudar alguém a ter um “teto” (a alugar uma casa), pode ficar sem o seu... Isso porque se o afiançado não pagar a dívida, o credor poderá acioná-lo. E se você não tiver condições de pagar a conta, a sua própria casa poderá ser penhorada para garantir a satisfação da dívida.
Talvez por isso, conforme popularmente se diz, muita gente prefere negar a fiança e correr o risco de perder o amigo (se ele não compreender a negativa); do que afiançar e correr o risco de perder o amigo inadimplente (por conta do mal-estar que poderá surgir), o dinheiro (ou a casa) e a paz...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 6/10/2016 do Diário de Penápolis)