Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

29 de nov. de 2016

Homem-Aranha

Nada melhor do que uma boa sessão de cinema para relaxar e concomitantemente refletir um pouquinho sobre a vida...

Até pode parecer brincadeira, mas enquanto assistia ao filme “Spyderman 2”, selecionei várias semelhanças entre as dificuldades enfrentadas pelo enigmático herói dos quadrinhos e os policiais que procuram retribuir à sociedade a confiança neles depositada.

Assim que assume seu posto, praticamente todo policial, a exemplo do que fazia o mascarado na primeira edição do filme, se desdobra e ostenta invejável produtividade. A princípio, contenta-se com alguns poucos elogios que lhes rendem a suficiente energia para prosseguir na sua árdua caminhada.

Basta que ouça o barulho de alguma sirene ou que presencie qualquer cena delituosa para que, ainda que em gozo de merecida folga, apresente-se para apoiar os colegas ou mesmo para intervir em favor dos mais necessitados ou para corrigir injustiças.

Com o tempo, no entanto, sua motivação deixa de ser a mesma...

Ao mesmo tempo em que é abordado por dezenas de anônimos nas ruas e recebe deles calorosos cumprimentos pela sua atuação, o policial passa a conviver com indigestas e injustas críticas que, apesar de provenientes de fontes absolutamente contaminadas, acabam se dissipando e gerando dissabores.

Infelizmente aqueles comentários elogiosos provenientes dos citados “anônimos” nem sempre alcançam a esperada divulgação, porque provêm do sofrido povo que efetivamente necessita do trabalho do profissional, mas cuja voz fraca por vezes acaba sendo abafada, não ecoa como deveria. Ainda que venham à tona, acabam sendo esquecidos diante dos boatos depreciativos. O Spyderman, por exemplo, pois depois de ter combatido o ladrão de um banco, foi equiparado ao comparsa do criminoso na primeira página do principal jornal da cidade pelo inescrupuloso diretor da publicação.

No campo pessoal, o policial atuante, se não tiver cautela ou não contar com pais, esposa, filhos ou namoradas compreensivos, fatalmente sofrerá prejuízo, pois o chamado RETP - regime especial de trabalho policial (leia-se “estar à disposição vinte e quatro horas por dia”), por alguns hilariamente denominado “regime de escravidão de trabalho policial”, o priva de fazer muitas coisas e de freqüentar lugares que não são vedados às “pessoas normais”. Nas metrópoles, por exemplo, não seria raro um policial deixar de se aproximar de alguém que gostasse ou evitar ser visto em sua companhia para evitar que esta pessoa pudesse correr alguma espécie de risco, da forma como agiu o nosso aracnídeo herói.

Tais circunstâncias, somadas à fadiga física e mental e à insatisfação com a remuneração e condições de trabalho que normalmente acompanha os policiais mais atuantes, acabam fazendo com que parte deles naturalmente diminua seu ritmo. Muitos acabam esmorecendo e até arriscando-se a serem responsabilizados penal e administrativamente por omissões que começam a protagonizar. Tal como o Spyderman, passam a fazer “vistas grossas” para situações que normalmente exigiriam ou mesmo recomendariam a sua atuação, principalmente quando não são fisicamente reconhecidos pelas pessoas que vivenciam ou presenciam junto com ele alguma situação de conflito.

O Spyderman também enfrentou, dentre outros problemas, a falta de recursos (em dado momento só comeu porque uma vizinha lhe serviu alimento), mas nem por isso fez uso de seus poderes e sequer cogitou corromper-se para solucioná-la.

É neste exato momento, nesta exata fase, que se despontam os verdadeiros heróis de cada instituição policial. Para uma boa legião de idealistas que ainda vestem fardas ou exibem distintivos, a fase ruim é temporária, pois não conseguem manter por muito tempo a indiferença aos problemas do próximo.

A vocação para combater o mal acaba falando mais alto e “atropelando” a intempérie, e diante das atrocidades que até então, por opção própria e desmotivação, assistia inerte, o verdadeiro policial resgata forças não se sabe de onde e arrosta o perigo mesmo quando seu contracheque e os previsíveis dissabores decorrentes da sua atuação (vez que, ao agir, contraria interesses) lhe recomendem fazer o contrário.

E por que será que isto acontece? Porque as adversidades constituem a fonte da qual o verdadeiro policial extrai a sua razão de existir. A ação é a melhor resposta que ele encontra para o desânimo que até então tomava conta de si. Esse fenômeno não é privilégio somente do policial: é na efetiva produção; no enfrentamento das barreiras que normalmente aparecem diante dos mais empenhados; no ato não tomar conhecimento de falácias e na opção por ignorar o não-reconhecimento que todos nós encontramos as soluções para nossas aflições profissionais e pessoais.

No filme, a infelicidade do jornalista Peter Parker somente se extinguiu quando ele se conscientizou e se convenceu de que tinha uma missão a cumprir e de que ela, inversamente do que pensava, não era a causa, mas a solução dos seus problemas. Somente executando-a com carinho, com empenho, despretensiosamente e com o espírito elevado é que o atrapalhado fotógrafo voltou a sorrir e a fazer sorrir.

Sua evolução como pessoa naquele exato instante, apesar de fictícia, tem tudo a ver com as aparentes crises que surgem para nós, personagens da história da humanidade, justamente para testarem o nosso potencial de reação e a confirmarem a nossa capacidade e a nossa competência naquilo que nos propomos a fazer. Devemos despertar para esta verdade e adotarmos uma postura mental condizente com a nossa força! Certa vez o palestrante Milton Yuki afirmou, com propriedade, que “as pessoas pessimistas são anjos que surgem para testar o seu grau de convicção”...

Ensina-nos Masaharu Taniguchi que “quando a mente está ‘embaçada’ pelas preocupações ou pensamentos sombrios, não surgem boas idéias” (Sabedoria da Vida Cotidiana, vol. 1).

A partir do momento em que o Spyderman, através de simples alteração no seu jeito de enfocar as coisas e de lidar com aquela situação que julgava problemática, despertou todo o seu potencial; conseguiu até mesmo assumir o amor que sentia por uma antiga paquera; e descobriu que estava equivocado quando achava que não seria aceito como era, ou seja, que as particularidades do seu mister não interfeririam e nem deveriam interferir na sua felicidade conjugal.

Como diria o saudoso Rui Barbosa, “maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado".

Superemos nossas “pseudodificuldades”, elevemos nosso pensamento e encarnemos os verdadeiros heróis que existem dentro de cada um nós: sejamos verdadeiros “homens-aranhas”!

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Mestre em Direito e Professor Universitário na Unimep – Campus Lins(SP)

Delegado de Polícia em gozo de licença

(publicado na edição de 31/7/2004 do Getulina Jornal)