Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

24 de nov. de 2016

Cobranças bancárias (tarifas) – discussões jurídicas

O Poder Judiciário tem sido constantemente instado a deliberar sobre a legalidade ou não de determinadas cobranças bancárias, ainda que expressamente previstas em contratos. Muitas vezes o consumidor não tem escolha; acaba tendo de assinar o contrato mesmo sem concordar com determinadas regras, sob pena de não conseguir o financiamento. Depara com o chamado “contrato de adesão” (uma espécie de formulário) e o gerente alega que não pode alterar o conteúdo. Nesse caso, o Judiciário pode afastar a incidência de cláusulas abusivas para restabelecer o equilíbrio contratual.
O Supremo já decidiu que discussões sobre “cobrança de tarifas e taxas administrativas acessórias, vinculadas a contratos bancários”, não possuem repercussão geral (ARE 895511 AgR), tendo reforçado a competência do STJ para pacificar a interpretação da lei infraconstitucional.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Recurso Especial 1.251.331/RS, aos 28/8/2013, firmou alguns posicionamentos. Vejamos o que foi decidido:
a) a partir da vigência da Resolução 3.518/2007, do Conselho Monetário Nacional, aos 30/4/2008, a cobrança por serviços bancários passou a depender de regulamentação do Banco Central do Brasil (Bacen);
b) “a tarifa de abertura de crédito (TAC) e a tarifa de emissão de carnê (TEC) não foram previstas na Tabela anexa à Circular Bacen 3.371/2007 e atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30.4.2008”;
c) a TAC e a TEC podem ser cobradas em contratos celebrados até 30/4/2008 (início da vigência da Resolução CMN 3.518/2007), se não houver abuso, o que terá de ser analisado caso a caso (a Súmula 565 do STJ, de fevereiro de 2016, deixou claro que o entendimento se aplica a qualquer cobrança, independentemente da denominação, desde que fundada no mesmo fato gerador);
d) é possível a cobrança da tarifa de cadastro, que remunera o serviço de "realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil" (tabela anexa à vigente Resolução CMN 3.919/2010, com a redação dada pela Resolução 4.021/2011), devendo incidir apenas “no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira” (em 2016, a Súmula 566 do STJ previu a regularidade da cobrança “nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008”);
e) “É lícito aos contratantes convencionar o pagamento do imposto sobre operações financeiras e de crédito (IOF) por meio financiamento acessório ao mútuo principal [embutir o tributo no valor financiado], sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais”.
O julgamento foi feito em “recurso repetitivo”. Esse sistema é adotado “sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito” (artigo 1.036 do Código de Processo Civil). Os demais tribunais devem aplicar as teses firmadas.
Outras cobranças ainda não foram analisadas com a mesma abrangência pelo STJ.
O seguro de proteção financeira (ou seguro prestamista), segundo se tem decidido, pode ser cobrado se tiver sido livremente contratado (não houver prova da imposição), porque constitui benefício ao consumidor, se sobrevier sinistro (por exemplo, a ajuste pode comportar quitação do contrato no caso de óbito). Mas há precedentes no sentido de que a sua inserção no custo do financiamento, mesmo que tenha havido aceitação, caracteriza “venda casada” (o artigo 39 do Código do Consumidor proíbe “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”). Se o consumidor não teve escolha, evidentemente, a cobrança é abusiva (STJ, AREsp 554.230).
Via de regra, montante destinado à “promotora de vendas” não pode ser repassado ao consumidor, pois retrata custo inerente à atividade financeira.
No que diz respeito aos “serviços de terceiros”, “serviços de correspondente não bancário” e “outros serviços não discriminados”, tem predominado o entendimento de que as cobranças são ilegais se não houver detalhamento dos motivos, pois a falta de clareza ofende princípios básicos de Direito do Consumidor. Se o contrato tiver indicado os motivos das cobranças, o julgador analisará, em cada caso, a regularidade.
Quanto ao “registro de gravame” e o “registro de contrato”, há quem pense que devem ser custeados pelo banco (pois traduzem custos contratuais), que tem interesse direto nas providências; e há quem entenda que podem ser repassados ao consumidor, pois intrínsecos ao contrato (quem adquire bem financiado responde por emolumentos cartorários e gravame eletrônico).
No tocante à “tarifa de avaliação do bem”, uns dizem que quando o banco financia veículo usado, tem interesse em avaliar e deve arcar com a despesa; mas há quem sustente que pode ser cobrada do interessado no financiamento, desde que não haja abusividade (que o valor da avaliação não signifique percentual elevado do bem avaliado), pois o Banco Central consente.
Aos 2/9/2016, nos autos do Recurso Especial 1.578.526, atento à multiplicidade de recursos sobre os temas, o STJ determinou a “suspensão, em todo o território nacional, dos processos pendentes que versem sobre” serviços prestados por terceiros; registro do contrato; e avaliação do bem dado em garantia. Trata-se de mais um recurso repetitivo que, quando solucionado, interferirá nas decisões de tribunais e juízos de direito.
É importante ressaltar que as instituições financeiras adotam nomenclaturas variadas para cobranças embasadas em situações idênticas àquelas acima referidas.
O texto não pretende esgotar o assunto e muito menos fazer prejulgamento, mas apenas esclarecer a interpretação que vem sendo dada a cada cobrança [finalizado aos 28/9/2016].
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 29/9/2016 do Diário de Penápolis e na edição de outubro de 2016 da Revista Comunica)