Estabelece o artigo 93 da Constituição Federal: “o juiz titular residirá na respectiva
comarca, salvo autorização do tribunal”. Os pedidos e os deferimentos são comuns,
pelos mais diversos fundamentos.
Há quem sustente que o magistrado que reside no mesmo
lugar em que trabalha, teoricamente, está mais preparado para compreender e
julgar os problemas que lhe são expostos; que o juiz, por estar inserido na
comunidade, se preocupará mais com o bem-estar dela. Tudo isso é muito relativo
e há vários inconvenientes nessa imposição.
O juiz que mora onde trabalha acaba conhecendo mais as
partes, o que pode facilitar a formação da convicção. Ocorre que ele tem de
estar atento para não se “contaminar” com comentários sobre os casos que julga
e para não fazer prejulgamentos com base no que já sabe sobre as pessoas
envolvidas. Cada caso é um caso!
Esse magistrado acaba correndo mais riscos, pois se
encontra com pessoas que julga com mais frequência. Nas cidades menores, nem
sempre haverá um imóvel seguro para abrigar a sua família.
Parece que tem gente que acha que porque conhece o juiz,
não vai perder a demanda. Os aborrecimentos para o “juiz residente” são mais
constantes, pois muitas pessoas não sabem “separar as coisas” e ele, às vezes, é
hostilizado. Isso pode interferir na sua motivação e, em consequencia, na sua
produtividade.
Já passei pelo dissabor de julgar uma pessoa que cometeu
indiscutível ato ilícito e perceber, no dia seguinte, que um familiar dela com
quem mantinha certo contato, em virtude da sentença desfavorável, tinha me
“bloqueado” numa rede social. Fui julgado e condenado sumariamente...
Aliás, um considerável percentual de pessoas não sabe
conviver com o “não”... Muita gente coloca uma “verdade” na cabeça e se esquece
de que o magistrado, isento, decide com base num conjunto de provas, não
havendo, no nosso sistema, uma prova que seja mais importante do que outra. E é
claro que nem tudo que a parte alega ela consegue comprovar.
O magistrado “residente” tem dificuldade para se
posicionar em eventos sociais. Tem de tomar cuidado para preservar a sua
imparcialidade e para não se aproximar de pessoas de reputação duvidosa (o que
pode caracterizar falta funcional grave). Tem de estar vigilante, pois os
outros sempre estarão. O problema é que essa “vigilância interna” (a que faz da
própria conduta) lhe “consome”; por vezes tira a sua tranquilidade; impede o
completo aproveitamento do momento de lazer.
Abordagens inadequadas são corriqueiras. Certa vez, um
advogado conhecido me parou no meio de uma festa de casamento para dizer que fazia
sessenta dias que aguardava uma deliberação minha, querendo dizer que eu estava
demorando (muito embora o Conselho Nacional de Justiça, atento ao volume de
serviço, tolere cem dias). Deu vontade de ir embora... Não faça isso com o seu
advogado, médico, dentista, contador, gerente de conta...
Penso que o maior problema que o magistrado adquire, ao
residir na Comarca, é conseguir fazer as pessoas compreenderem que não tem
condições de acelerar tramitações de amigos ou conhecidos e que não pode opinar
sobre fatos que estão ou poderão estar “sub judice”, tudo por conta das
previsões legais que tratam de causas de impedimento e suspeição.
Depois que me removi de Penápolis(SP) para Lins(SP),
minha cidade natal, passei a enfrentar algumas dificuldades. Decorrido mais de um
ano, uma conhecida esteve no meu gabinete, no seu dizer, para me dar
“boas-vindas” (já não era mais tempo) e logo emendou diálogo sobre o caso em
que o marido (foi levado junto) era parte. Como costumo fazer, interrompi a
visitante para dizer que o magistrado não pode falar com a parte sobre o caso,
de forma a preservar a sua imparcialidade e até porque não seria viável... não
haveria condições de recepcionar todas as pessoas interessadas nesse tipo de
contato... não seria adequado e leal
ouvir uma parte “em particular”. Ela saiu meio desapontada, muito embora a
explicação tivesse sido clara e bem fundamentada. E eu fiquei mais desapontado
ainda, seja pelo gesto dela (que já deveria saber o que eu disse), seja pela
preocupação de ser incompreendido (e de ganhar mais uma inimiga). Assim como
ela, várias outras pessoas (inclusive servidores do Fórum) já interromperam o
meu trabalho com a mesma finalidade de querer expor ou pedir algo e foram, da
mesma forma, orientadas sobre a impossibilidade de eu ouvi-las, explicada,
sempre, com educação e objetividade. Esse tipo de abordagem era, de certa forma,
previsível, mas começou a me aborrecer tanto que tive de colocar uma placa na
porta do meu gabinete para advertir que não atenderia à parte e nem ao familiar
dela.
Sobre a agilidade na tramitação, é importante ressaltar
que a legislação prevê muitas prioridades: processo de idoso, de réu preso, mandado
de segurança etc. Fora isso, é preciso se dedicar aos processos na ordem em que
são remetidos ao gabinete. Assim sendo, é vedado ao juiz “pinçar” casos, sob
pena de responder administrativa e criminalmente. É no mínimo inconveniente
qualquer pedido de aceleração da análise, a não ser que formulado por advogado
e devidamente fundamentado. Por exemplo, quando a parte tem direito
reconhecido, é justo liberar logo o dinheiro de que ela precisa para custear o
tratamento de doença grave recém-descoberta. De resto, não há condição alguma
de o juiz que convive na comunidade receber visitas de todas as pessoas que
conhece, muito menos para “quebrar galhos”, prática que não condiz com a boa
administração da Justiça.
O importante é que, ainda que tudo isso possa soar
agressivo para algumas pessoas, a maioria entende e aceita. E a esperança é a
de que quem ainda não compreenda possa, depois de ler as reflexões, evitar
situações constrangedoras para si e para o magistrado. Por fim, é sempre
conveniente que se dê publicidade às dificuldades inerentes à função de julgar
o próximo.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.youtube.com/adrianoponce10
(publicado na edição de 1º/12/2016 do Diário de
Penápolis)