Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

29 de nov. de 2016

Residência do magistrado na Comarca - implicações

Estabelece o artigo 93 da Constituição Federal: “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. Os pedidos e os deferimentos são comuns, pelos mais diversos fundamentos.
Há quem sustente que o magistrado que reside no mesmo lugar em que trabalha, teoricamente, está mais preparado para compreender e julgar os problemas que lhe são expostos; que o juiz, por estar inserido na comunidade, se preocupará mais com o bem-estar dela. Tudo isso é muito relativo e há vários inconvenientes nessa imposição.
O juiz que mora onde trabalha acaba conhecendo mais as partes, o que pode facilitar a formação da convicção. Ocorre que ele tem de estar atento para não se “contaminar” com comentários sobre os casos que julga e para não fazer prejulgamentos com base no que já sabe sobre as pessoas envolvidas. Cada caso é um caso!
Esse magistrado acaba correndo mais riscos, pois se encontra com pessoas que julga com mais frequência. Nas cidades menores, nem sempre haverá um imóvel seguro para abrigar a sua família.
Parece que tem gente que acha que porque conhece o juiz, não vai perder a demanda. Os aborrecimentos para o “juiz residente” são mais constantes, pois muitas pessoas não sabem “separar as coisas” e ele, às vezes, é hostilizado. Isso pode interferir na sua motivação e, em consequencia, na sua produtividade.
Já passei pelo dissabor de julgar uma pessoa que cometeu indiscutível ato ilícito e perceber, no dia seguinte, que um familiar dela com quem mantinha certo contato, em virtude da sentença desfavorável, tinha me “bloqueado” numa rede social. Fui julgado e condenado sumariamente...
Aliás, um considerável percentual de pessoas não sabe conviver com o “não”... Muita gente coloca uma “verdade” na cabeça e se esquece de que o magistrado, isento, decide com base num conjunto de provas, não havendo, no nosso sistema, uma prova que seja mais importante do que outra. E é claro que nem tudo que a parte alega ela consegue comprovar.
O magistrado “residente” tem dificuldade para se posicionar em eventos sociais. Tem de tomar cuidado para preservar a sua imparcialidade e para não se aproximar de pessoas de reputação duvidosa (o que pode caracterizar falta funcional grave). Tem de estar vigilante, pois os outros sempre estarão. O problema é que essa “vigilância interna” (a que faz da própria conduta) lhe “consome”; por vezes tira a sua tranquilidade; impede o completo aproveitamento do momento de lazer.
Abordagens inadequadas são corriqueiras. Certa vez, um advogado conhecido me parou no meio de uma festa de casamento para dizer que fazia sessenta dias que aguardava uma deliberação minha, querendo dizer que eu estava demorando (muito embora o Conselho Nacional de Justiça, atento ao volume de serviço, tolere cem dias). Deu vontade de ir embora... Não faça isso com o seu advogado, médico, dentista, contador, gerente de conta...
Penso que o maior problema que o magistrado adquire, ao residir na Comarca, é conseguir fazer as pessoas compreenderem que não tem condições de acelerar tramitações de amigos ou conhecidos e que não pode opinar sobre fatos que estão ou poderão estar “sub judice”, tudo por conta das previsões legais que tratam de causas de impedimento e suspeição.
Depois que me removi de Penápolis(SP) para Lins(SP), minha cidade natal, passei a enfrentar algumas dificuldades. Decorrido mais de um ano, uma conhecida esteve no meu gabinete, no seu dizer, para me dar “boas-vindas” (já não era mais tempo) e logo emendou diálogo sobre o caso em que o marido (foi levado junto) era parte. Como costumo fazer, interrompi a visitante para dizer que o magistrado não pode falar com a parte sobre o caso, de forma a preservar a sua imparcialidade e até porque não seria viável... não haveria condições de recepcionar todas as pessoas interessadas nesse tipo de contato...  não seria adequado e leal ouvir uma parte “em particular”. Ela saiu meio desapontada, muito embora a explicação tivesse sido clara e bem fundamentada. E eu fiquei mais desapontado ainda, seja pelo gesto dela (que já deveria saber o que eu disse), seja pela preocupação de ser incompreendido (e de ganhar mais uma inimiga). Assim como ela, várias outras pessoas (inclusive servidores do Fórum) já interromperam o meu trabalho com a mesma finalidade de querer expor ou pedir algo e foram, da mesma forma, orientadas sobre a impossibilidade de eu ouvi-las, explicada, sempre, com educação e objetividade. Esse tipo de abordagem era, de certa forma, previsível, mas começou a me aborrecer tanto que tive de colocar uma placa na porta do meu gabinete para advertir que não atenderia à parte e nem ao familiar dela.
Sobre a agilidade na tramitação, é importante ressaltar que a legislação prevê muitas prioridades: processo de idoso, de réu preso, mandado de segurança etc. Fora isso, é preciso se dedicar aos processos na ordem em que são remetidos ao gabinete. Assim sendo, é vedado ao juiz “pinçar” casos, sob pena de responder administrativa e criminalmente. É no mínimo inconveniente qualquer pedido de aceleração da análise, a não ser que formulado por advogado e devidamente fundamentado. Por exemplo, quando a parte tem direito reconhecido, é justo liberar logo o dinheiro de que ela precisa para custear o tratamento de doença grave recém-descoberta. De resto, não há condição alguma de o juiz que convive na comunidade receber visitas de todas as pessoas que conhece, muito menos para “quebrar galhos”, prática que não condiz com a boa administração da Justiça.
O importante é que, ainda que tudo isso possa soar agressivo para algumas pessoas, a maioria entende e aceita. E a esperança é a de que quem ainda não compreenda possa, depois de ler as reflexões, evitar situações constrangedoras para si e para o magistrado. Por fim, é sempre conveniente que se dê publicidade às dificuldades inerentes à função de julgar o próximo.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 1º/12/2016 do Diário de Penápolis)