Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

18 de mar. de 2014

Amigos, amigos... negócios à parte...



            Certa vez fiz um negócio com um grande amigo e ele ficou me devendo algumas parcelas. À medida que me pagava, eu emitia recibos. Ainda que houvesse amizade e confiança, optamos por documentar tudo. Tivemos a idéia e ele arrematou: “É melhor assim, pois se eu morrer amanhã a minha família vai saber o que foi combinado e o que ocorreu depois! E se você morrer também!”. Negócio “de gente grande” deve ser assim!
            Eu nunca tinha parado para pensar no que ele disse. O argumento reforçou ainda mais a minha “mania” de colocar tudo no papel. É claroque não penso em morrer tão cedo, mas também não posso controlar esse acontecimento...
            Participe seus familiares mais próximos sobre negócios em andamento. Guarde documentos em locais acessíveis. Retransmita e-mails sobre contratações que sejam do interesse deles ou do grupo familiar. O compartilhamento de informações favorece a solução de problemas no caso de falecimento, perda da sanidade ou qualquer outra circunstância que inviabilize a comunicação (ex. coma, acidente vascular cerebral). Não podemos descartar tragédias e muitas vezes elas se tornam ainda “mais trágicas” para familiares. Anote-se que herdeiros assumem obrigações do falecido até as forças da herança (art. 1.792 do Código Civil).
            Documentar contratos (e eventuais aditamentos) pode evitar uma série de aborrecimentos. Contratamos quase todos os dias e por isso a chance de algo dar erro está sempre presente.
            No cotidiano forense são recorrentes, por ex., demandas relacionadas aos repasses de veículos financiados em razão da impossibilidade de quitar as parcelas. O indivíduo acaba “vendendo” um bem que nem lhe pertence porque foi alienado fiduciariamente à instituição financeira (na verdade aliena direitos sobre o bem). O “comprador” não raramente recebe o bem e não cumpre o compromisso de continuar pagando o carnê, ensejando a negativação do “vendedor” e diversos aborrecimentos inerentes. Às vezes já fecha negócio mal-intencionado, sabedor de que usará o automóvel praticamente sem risco algum, uma vez que todas as medidas judiciais terão como alvo o financiado. O ideal seria que as pessoas evitassem negócios do gênero, mas se não houver outra maneira, pelo menos é recomendável que elaborem um documento que preveja com detalhes todas as obrigações e consequências se sobrevier inadimplemento.
            Orçamentos, de uma maneira geral, devem ser solicitados por escrito. Exija discriminação detalhada do serviço e do produto, menção às formas de pagamento e ao prazo de entrega. No caso da construção civil (outra corriqueira fonte de divergências), deve-se estabelecer, por escrito, preços e prazos para cada etapa e não o preço global. Assim, o construtor trabalhará levando em conta as metas ajustadas e o contratante planejará melhor os pagamentos. E na hipótese de desacordo, ficará mais fácil fazer o distrato e apurar haveres. Guardar notas fiscais pode favorecer a troca do produto, a demonstração da propriedade e a satisfação de direitos do consumidor. A posse do comprovante de pedágio até o final da viagem auxilia o contribuinte a deduzir pretensões junto à concessionária da rodovia.
            Muitas vezes é interessante estabelecer uma sanção para o descumprimento de determinada obrigação. Se você, consumidor, não for pontual, automaticamente arcará com as consequências (Serasa, juros etc.). Que tal, por ex., ao encomendar um carro, exigir que a concessionária assuma o compromisso de lhe entregar o bem dentro do prazo, sob pena de determinada multa? Talvez se os compradores agissem dessa forma não sofreriam tanto com falsas promessas... E se o vendedor tem tanta certeza do que alega, qual a razão de se negar a escrever?
            É sempre interessante contar com ajuda profissional na hora de contratar, mas quando isso não for possível mesmo o leigo pode se proteger. Um “papel de pão” manuscrito pode bastar! O correio eletrônico também é uma importante ferramenta. Sempre que combinar algo, peça que as cláusulas ajustadas lhe sejam remetidas por e-mail. Se tiver dúvidas, solicite esclarecimentos pela mesma forma. Os torpedos SMS também são importantes meios de prova. Quem tem por escrito se garante muito mais....
            Sempre exija quitação escrita e detalhada do recebimento e do pagamento de bens e serviços.Leve sempre consigo um talão de recibos.Na dúvida sobre quem está recebendo ou assinando algo, solicite documento. Prefira que a pessoa assine por extenso, pois a depender do rabisco que fizer, inviabilizará ou dificultará exame grafotécnico. Procure organizar cadastros de clientes e fornecedores com fotografias e outros dados de identificação. Os smartphones facilitaram bastante o registro de informações e podem ser usados para fotografar, filmar e digitalizar documentos. Explore todo o potencial do seu aparelho.
            Contratar por escrito deve ser a regra, ainda que o negócio envolva um grande amigo. Quando você se acostuma, passa a agir naturalmente com cautela. E se o outro demonstrar incômodo com a formalidade, ou não está tão seguro assim de que cumprirá o que lhe prometeu;ou não é tão confiável quanto você pensa... Não se constranja em expor a importância da documentação. Se for o caso, não prossiga, pois é melhor um pequeno dissabor para você hoje do que um grande aborrecimento para você ou mesmo para os seus entes queridos amanhã...

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor universitário
(redigido para a edição de fevereiro da Revista Comunica)