Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

18 de mar. de 2014

Interrogatório por videoconferência no processo penal



            O interrogatório por videoconferência foi tema de seminário promovido pela Escola Paulista da Magistratura.
            Prevê o Código de Processo Penal que o interrogatório do réu preso pode ser realizado no estabelecimento prisional. Excepcionalmente, o juiz poderá realizar o interrogatório por videoconferência, para: I - prevenir atuação de organização criminosa ou fuga; II - viabilizar a participação do réu quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. Foi garantido o acesso a contato telefônico reservado entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
            O assunto sempre gerou muita discussão no meio jurídico. Para alguns o método poderia suprimir direitos. Eles argumentam que a presença física do réu diante do juiz é importante para ele exercer a sua defesa. Outros argumentam que o procedimento de escolta de presos envolve cerca de 3.000 homens e consome muito dinheiro público. Há outros bons argumentos de ambos os lados. A divergência está longe de ser resolvida...
            O Defensor Patrick Lemos Cacicedo destacou que não podemos nos esquecer de que o processo penal envolve seres humanos e suas aflições. Afirmou que somente pode ser considerado legítimo se preservar direitos da parte mais fraca (o investigado) e se o poder do Estado for exercido de forma regrada, contida e razoável. Lembrou que a escolta do preso lhe causa sofrimento pelo calor intenso e que em verdade atualmente contraria lei federal que proíbe o uso de meio de transporte que não propicie ventilação adequada. Ponderou, ainda, que sempre faltam agentes para esse procedimento. No seu entender, o uso da videoconferência fere a ampla defesa. A comunicação imediata do réu com o defensor acaba ficando prejudicada. Outra desvantagem é que ela exige dois defensores em cada audiência: um no presídio e outro na sala de audiência. A Defensoria, tal como alertou, não possui profissionais em número suficiente e contratações também gerariam grande custo. E os Advogados constituídos teriam de pagar colegas para os auxiliarem, o que reduziria seus ganhos e/ou encareceria seus serviços.
            O Juiz Jayme Garcia dos Santos Junior induziu reflexão: não deveria preponderar o interesse da sociedade em ter mais policiais fazendo patrulhamento e em economizar recursos? Os processos não teriam solução mais célere, já que muitas vezes a falta de escolta implica no adiamento de atos judiciais? Para ele o legislador foi até tímido ao tratar da videoconferência, cuja utilização poderia ser ampliada. Posicionamentos muito conservadores, enfatizou, praticamente inviabilizariam o uso do meio eletrônico.
            Patrick ressaltou que aquele momento do interrogatório é um dos mais importantes da vida do réu. Acrescentou que ser ouvido dentro do presídio não lhe propicia toda a liberdade para falar. Asseverou que a falta de escolta e o consequente adiamento de audiências não é problema do acusado, mas do Estado, que não propicia os meios necessários. Insistiu na presença física do réu em Juízo.
            Na visão do Desembargador Octávio Henrique de Sousa Lima, magistrado há mais de 30 anos, temos de nos ajustar à tecnologia. Ela permite que réu e defensor possam conversar reservadamente durante as audiências. Na dúvida, o juiz pode determinar novo interrogatório. Alguns dizem que o réu poderia ser ameaçado antes e depois de ser ouvido dentro do presídio, mas isso, ponderou, também pode acontecer se a audiência for realizada no Fórum. Consignou que talvez o preso prefira não passar pelo desconforto de uma viagem longa dentro de um compartimento fechado. Defendeu que nem seria tão necessário assim manter um defensor no presídio ao lado do interrogando, pois um bom sistema de comunicação e de imagens garantiria ampla visão do ambiente pelo juiz. Posicionou-se pela evolução do pensamento e aproveitamento máximo da tecnologia.
            A Defensora Juliana Garcia Belloque observou que é inútil ser contra ou a favor da tecnologia, mas destacou que seu uso deve sempre ser objeto de reflexão. Ressaltou o quanto o réu espera o momento de encontrar o juiz até pelo grande respeito pela autoridade (muito embora existam algumas exceções de acusados que prefiram afrontá-la). Concluiu que o contato pessoal pode interferir muito no convencimento do juiz, que pode até detectar algum distúrbio de personalidade (como a esquizofrenia) e determinar perícia. Anotou que utiliza telefone para falar com os réus, mas que eles costumam não confiar que estão sendo defendidos e que não costumam dizer nada de relevante para a defesa técnica. Segundo seu entendimento, às vezes a alteração na forma de um ato altera a sua essência. A videoconferência, sustentou, somente deve acontecer em situações extremas. Nos Estados Unidos é utilizada principalmente para a oitiva de crianças vítimas de abusos justamente para que não sejam constrangidas. Deveria servir para a inquirição de outras pessoas (como as que residem noutras Comarcas e que estão com medo de comparecerem) e não para “alijar” o réu da participação da audiência. Asseverou que na vida prática já conseguiu várias vezes, por meio do contato pessoal com réus, obter detalhes importantes para evitar injustiças. Disse que “a câmera não desvenda o gesto”, não transmite adequadamente a emoção. Lembrou que os acusados, se não forem trazidos à presença do juiz, poderão ficar mais suscetíveis às intimidações de organizações criminosas.
            Um magistrado presente no evento observou que a Corte Internacional de Direitos Humanos só realiza atos por teleaudiência, o que demonstra que o meio não é nocivo. Citou a sua experiência em casos nos quais os Defensores ficam com os réus nos presídios (em vez que se fazerem presentes nos Fóruns) e de lá fazem perguntas às testemunhas, podendo, inclusive, solicitar a interrupção de áudio e imagem para conversar reservadamente com o cliente. Destacou que a gravação, na hipótese de recurso, permite que os tribunais julguem com muito mais acerto. Arrematou dizendo que só vê vantagens na videoconferência.
            Foi mencionado, ainda, que quando o réu está no exterior ele é ouvido pelo juiz do local da residência e julgado pelo juiz que está a centenas de quilômetros, ou seja, nessas situações não há mínimo contato entre sentenciado e sentenciante.
            Os argumentos prós e contrários a esse tipo de audiência judicial nem sempre são conhecidos dos leigos. Penso que agora terão mais condições de formar convicção. Afinal, quanto mais conhecimento a gente tem, corre menos risco de formular crítica infundada, especialmente sobre questões reconhecidamente polêmicas.

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor Universitário
(publicado na edição de 11/2/2014 do Correio de Lins)