O interrogatório por videoconferência foi tema de seminário promovido pela
Escola Paulista da Magistratura.
Prevê o Código de Processo Penal que o interrogatório do réu preso pode ser
realizado no estabelecimento prisional. Excepcionalmente, o juiz poderá
realizar o interrogatório por videoconferência, para: I - prevenir atuação de
organização criminosa ou fuga; II - viabilizar a participação do réu quando
haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou
outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de
testemunha ou da vítima; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
Foi garantido o acesso a contato telefônico reservado entre o defensor que
esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre
este e o preso.
O assunto sempre gerou muita discussão no meio jurídico. Para alguns o método
poderia suprimir direitos. Eles argumentam que a presença física do réu diante
do juiz é importante para ele exercer a sua defesa. Outros argumentam que o
procedimento de escolta de presos envolve cerca de 3.000 homens e consome muito
dinheiro público. Há outros bons argumentos de ambos os lados. A divergência
está longe de ser resolvida...
O Defensor Patrick Lemos Cacicedo destacou que não podemos nos esquecer de que
o processo penal envolve seres humanos e suas aflições. Afirmou que somente
pode ser considerado legítimo se preservar direitos da parte mais fraca (o
investigado) e se o poder do Estado for exercido de forma regrada, contida e
razoável. Lembrou que a escolta do preso lhe causa sofrimento pelo calor
intenso e que em verdade atualmente contraria lei federal que proíbe o uso de
meio de transporte que não propicie ventilação adequada. Ponderou, ainda, que
sempre faltam agentes para esse procedimento. No seu entender, o uso da
videoconferência fere a ampla defesa. A comunicação imediata do réu com o
defensor acaba ficando prejudicada. Outra desvantagem é que ela exige dois
defensores em cada audiência: um no presídio e outro na sala de audiência. A
Defensoria, tal como alertou, não possui profissionais em número suficiente e
contratações também gerariam grande custo. E os Advogados constituídos teriam
de pagar colegas para os auxiliarem, o que reduziria seus ganhos e/ou
encareceria seus serviços.
O Juiz Jayme Garcia dos Santos Junior induziu reflexão: não deveria preponderar
o interesse da sociedade em ter mais policiais fazendo patrulhamento e em
economizar recursos? Os processos não teriam solução mais célere, já que muitas
vezes a falta de escolta implica no adiamento de atos judiciais? Para ele o
legislador foi até tímido ao tratar da videoconferência, cuja utilização
poderia ser ampliada. Posicionamentos muito conservadores, enfatizou,
praticamente inviabilizariam o uso do meio eletrônico.
Patrick ressaltou que aquele momento do interrogatório é um dos mais
importantes da vida do réu. Acrescentou que ser ouvido dentro do presídio não
lhe propicia toda a liberdade para falar. Asseverou que a falta de escolta e o
consequente adiamento de audiências não é problema do acusado, mas do Estado,
que não propicia os meios necessários. Insistiu na presença física do réu em
Juízo.
Na visão do Desembargador Octávio Henrique de Sousa Lima, magistrado há mais de
30 anos, temos de nos ajustar à tecnologia. Ela permite que réu e defensor
possam conversar reservadamente durante as audiências. Na dúvida, o juiz pode
determinar novo interrogatório. Alguns dizem que o réu poderia ser ameaçado
antes e depois de ser ouvido dentro do presídio, mas isso, ponderou, também
pode acontecer se a audiência for realizada no Fórum. Consignou que talvez o
preso prefira não passar pelo desconforto de uma viagem longa dentro de um
compartimento fechado. Defendeu que nem seria tão necessário assim manter um
defensor no presídio ao lado do interrogando, pois um bom sistema de
comunicação e de imagens garantiria ampla visão do ambiente pelo juiz.
Posicionou-se pela evolução do pensamento e aproveitamento máximo da
tecnologia.
A Defensora Juliana Garcia Belloque observou que é inútil ser contra ou a favor
da tecnologia, mas destacou que seu uso deve sempre ser objeto de reflexão.
Ressaltou o quanto o réu espera o momento de encontrar o juiz até pelo grande
respeito pela autoridade (muito embora existam algumas exceções de acusados que
prefiram afrontá-la). Concluiu que o contato pessoal pode interferir muito no
convencimento do juiz, que pode até detectar algum distúrbio de personalidade
(como a esquizofrenia) e determinar perícia. Anotou que utiliza telefone para
falar com os réus, mas que eles costumam não confiar que estão sendo defendidos
e que não costumam dizer nada de relevante para a defesa técnica. Segundo seu
entendimento, às vezes a alteração na forma de um ato altera a sua essência. A
videoconferência, sustentou, somente deve acontecer em situações extremas. Nos
Estados Unidos é utilizada principalmente para a oitiva de crianças vítimas de
abusos justamente para que não sejam constrangidas. Deveria servir para a
inquirição de outras pessoas (como as que residem noutras Comarcas e que estão
com medo de comparecerem) e não para “alijar” o réu da participação da audiência.
Asseverou que na vida prática já conseguiu várias vezes, por meio do contato
pessoal com réus, obter detalhes importantes para evitar injustiças. Disse que
“a câmera não desvenda o gesto”, não transmite adequadamente a emoção. Lembrou
que os acusados, se não forem trazidos à presença do juiz, poderão ficar mais
suscetíveis às intimidações de organizações criminosas.
Um magistrado presente no evento observou que a Corte Internacional de Direitos
Humanos só realiza atos por teleaudiência, o que demonstra que o meio não é
nocivo. Citou a sua experiência em casos nos quais os Defensores ficam com os
réus nos presídios (em vez que se fazerem presentes nos Fóruns) e de lá fazem
perguntas às testemunhas, podendo, inclusive, solicitar a interrupção de áudio
e imagem para conversar reservadamente com o cliente. Destacou que a gravação,
na hipótese de recurso, permite que os tribunais julguem com muito mais acerto.
Arrematou dizendo que só vê vantagens na videoconferência.
Foi mencionado, ainda, que quando o réu está no exterior ele é ouvido pelo juiz
do local da residência e julgado pelo juiz que está a centenas de quilômetros,
ou seja, nessas situações não há mínimo contato entre sentenciado e
sentenciante.
Os argumentos prós e contrários a esse tipo de audiência judicial nem sempre
são conhecidos dos leigos. Penso que agora terão mais condições de formar
convicção. Afinal, quanto mais conhecimento a gente tem, corre menos risco de
formular crítica infundada, especialmente sobre questões reconhecidamente
polêmicas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor Universitário
(publicado na edição de 11/2/2014 do Correio de Lins)