Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Achado não é roubado?

Achado não é roubado?
         “O meu barraco, hoje está valorizado; Só por causa de uma antena, que eu instalei no telhado; Mas a parabólica, foi trazida por um temporal; Eu achei no mato e botei no barraco na cara-de-pau...”
         Lecionando Direito Penal, certa vez decidi lançar mão de um trecho da música “Parabólica”, interpretada pelo querido Zeca Pagodinho, para tentar desmistificar a crença popular de que “achado não é roubado”...
         Por meio de um empolgante samba ele retrata a trajetória de um favelado cuja rotina foi alterada pela instalação, em seu “barraco”, de uma antena parabólica. Conta que a residência se tornou o centro das atenções em razão da qualidade do sinal recebido das emissoras de televisão, mas que, ao mesmo tempo em que se sentia feliz com o fato do pessoal estar “subindo o morro” para visitá-lo, o protagonista passou a ser alvo de constantes fiscalizações policiais, diante da suspeita gerada pela movimentação de pessoas naquele local.
         Talvez o nosso personagem, a exemplo do que pensa boa parte da população, sequer tinha conhecimento de que o Código Penal, no seu art. 169, estabelece pena de detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa, para quem se apropria de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza.
         Qualquer ato incompatível com a vontade de restituir a coisa pode provocar a consumação do delito: a venda de animal oriundo do sítio vizinho (que decidiu ultrapassar a cerca); o saque de dinheiro que foi equivocadamente depositado em conta corrente (indevidamente recebido); a não-devolução de troco excessivo repassado espontaneamente pelo caixa de uma loja; o uso de roupas trazidas de varais da vizinhança por um vendaval etc.
         Na mesma pena incorre quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.
         Se o infrator tiver presenciado o instante em que alguém se esqueceu de algo e se apoderou do objeto antes da vítima ter retornado para buscá-lo, sua conduta pode configurar o crime ora comentado ou mesmo, segundo alguns juristas, o delito de furto.
         É evidente que as coisas verdadeiramente abandonadas (do latim “res nullius”), como as que se encontram num lixão, por exemplo, poderão ser apropriadas sem que se infrinja a lei.
         Diante do caso concreto, a conduta do acusado será detalhadamente analisada para que se verifique se ele não supôs, equivocadamente, que se tratava de coisa abandonada e por isso dela se apropriou, ou seja, se agiu com boa-fé. Em alguns casos poderá haver redução de pena; noutros, afastamento total da penalidade.
         O ato de recolher o objeto supostamente perdido não é crime. A ilicitude surge quando a pessoa deixa de devolvê-lo ao proprietário, se conhecido; ou quando demonstra inequívoca intenção de se apropriar do objeto e de agir como se proprietário fosse (ex.: venda, troca).
         A “apropriação de coisa achada” também se configura quando quem a encontrou, se desconhecido o proprietário, deixa de entregá-la à Autoridade Policial no prazo de 15 dias para formal apreensão através de boletim de ocorrência.
         Havendo dúvida, é sempre interessante buscar a orientação da Polícia ou ao menos, antes do término do prazo, adotar a tática do personagem da canção: “Quando tem blitz no morro, o primeiro barraco a ganhar a geral é o meu; Porque está sempre lotado e todo mundo pensa, que estou no apogeu; Já ando meio bolado com tanta muvuca, tirando meu sono; Vou botar um anúncio no classificado e vou devolver essa droga pro dono.” (sic)
         A decisão do “bom malandro” foi sensata... Ele teve sorte, durante as blitze, de ninguém ter se apresentado como proprietário da parabólica e de nenhum policial ter exigido a documentação relativa a sua aquisição. Devolvida a antena, livre das conseqüências penais e com a consciência mais tranqüila, cessará sua insônia e ele acordará sem o risco de “ver o sol nascer quadrado”...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Jornal Regional de 14/7/2009)