Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Local [parcialmente] prejudicado – Parte 2

Local [parcialmente] prejudicado – Parte 2
         A ausência injustificada de exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios, acaso não suprida pela prova testemunhal no caso de desaparecimento dos tais vestígios, pode causar a nulidade da ação penal (arts. 158 e 564, III, “b”, do Código de Processo Penal). “Corpo de delito”, ao contrário do que se pensa, não é só o cadáver ou a pessoa lesionada, mas tudo o que tiver sofrido as conseqüências da infração (o veículo danificado, a janela arrombada etc.).
         É por isso que o Delegado deve refletir bastante sobre os exames que interessarão à investigação, acatando sugestões, mas não se deixando influenciar por pressões externas e pelos dissabores que determinadas perícias acabam acarretando. Deve, quando possível, formular quesitos. Além disso, não pode abrir mão das fotografias. É bem verdade que a fotografação do local e de alguns objetos podem implicar na demora para o recebimento do laudo (o artigo 160 do Código de Processo Penal fixa prazo de 10 dias, prorrogáveis a pedido do perito), diante da dificuldade para revelação etc. Não se desconhece, ainda, que a inclusão de fotografias aumenta o custo do exame, mas tais fatores não podem interferir na produção da prova, visto que é através dela que será possível aferir responsabilidades. A simples descrição, feita pelos peritos, de que a vítima apresentava diversos hematomas nas costas, nem sempre surtirá o mesmo efeito quando o juiz, o promotor e os jurados tiverem condições de visualizarem extensas lesões indicativas de crueldade por meio da imagem fotográfica. A mera descrição de que o cofre foi arrombado não dará a exata noção da gravidade da ação se a fotografia demonstrar o efeito, por exemplo, do uso de um potente explosivo e de suas conseqüências. Até a fotografação que demonstre que os agentes defecaram ou esparramaram feijão cozido no sofá da vítima furtada, danificando-o por completo, poderá ter mais influência na fixação da pena do que a mera descrição, sem prejuízo da presunção de veracidade inerente aos relatos periciais.
         A relativa dificuldade na realização de certos exames e a escassez de profissionais não podem motivar a “desistência” da visita pericial que muitas vezes acaba sendo “maquiada” com a expressão “local prejudicado”. Como já dito, a alteração de alguns objetos ou veículos normalmente não tem o condão de prejudicar totalmente o exame, mesmo porque essa mesma alteração costuma ser percebida pelos peritos.
         Aos peritos cabe proceder aos exames sempre que solicitados, ainda que tenha havido parcial alteração no estado das coisas. Não lhes é lícito alegar que algo foi alterado e que alguém possa estar tentando ludibriá-los, pois mesmo quando não há notícia de alteração, ela pode ter ocorrido às escondidas, ou seja, haverá casos em que jamais se terá certeza de que a cena restou inalterada. Devem relatar suas conclusões na exata medida do que constatarem e segundo suas convicções. Ainda que não lhes seja possível concluir “o todo”, na quase totalidade das vezes estarão aptos a concluir “uma parte do todo”. A recusa de atendimento só pode se basear na ilegalidade do acionamento ou na falta de atribuição para o pleiteado exame, visto que a Autoridade Policial, além da competência constitucional e legal para o chamado, tem discricionariedade para tanto (pode requisitar “quaisquer perícias” – artigo 6º do Código de Processo Penal -, desde que não sejam escancaradamente impertinentes, imorais ou ilegais).
         O Delegado e seus auxiliares não podem se deixar levar, por exemplo, pela alteração imotivada ou intencional do local por parte do envolvido no acidente ou mesmo do policial que não quer aguardar o deslocamento dos peritos.
         Desde que não afronte a lei e os direitos e garantias individuais, o Delegado não pode ter o acesso aos exames periciais cerceado por opiniões ou regras infralegais. Qualquer resolução ou portaria que vede ou embarace o acesso da Autoridade Policial ao acionamento dos peritos, portanto, não se coaduna com a sistemática processual penal e deve ser rechaçada. Isso porque a investigação está fundamentada no princípio da verdade real, que determina que todas as providências lícitas que servirem ao aclaramento de um delito devem ser tomadas, “doa a quem doer”. Até mesmo o juiz, por exemplo, diante de um pedido fundamentado de perícia feito pelo Promotor ou quiçá pelo Advogado de defesa, não poderá injustificadamente se escusar de requisitá-la, sob pena de correição parcial da sua decisão.
         A qualquer pessoa, por fim, cabe a tarefa de fiscalizar, diante do caso concreto, se tais preceitos foram observados e se não houve desídia injustificada do Delegado, do escrivão, do policial que esteve no local ou mesmo do perito, apontando-lhes suas convicções, qualquer que seja a sua posição na ocorrência.
         O Delegado, investido na tarefa de conduzir a investigação e, ao menos em tese, preparado para tanto, deve analisar todas as sugestões, inclusive as propostas pelos advogados dos envolvidos, e acatá-las se pertinentes à investigação sem receio de que se questione a sua competência ou de que esteja havendo usurpação da sua função, visto que os fatos podem ser analisados por vários prismas, muitos deles não cogitados pela Autoridade Policial.
         Dificilmente haverá local totalmente prejudicado para os exames. Não tenho
 dúvida de que quanto mais ampla for a produção da prova pericial, mesmo que em muitos casos seja aparentemente impossível atingir a verdade, mais conseguiremos nos aproximar dela.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã
(publicado no Correio de Lins de 31/5/2006 e no
Getulina Jornal de 14/5/2006)