Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Doença no bingulim?

Doença no bingulim?
         Quem lida com atendimento ao público sabe do que o público é capaz e precisa estar preparado.
         O bom atendimento requer exercício diário da paciência e compreensão.
         É preciso entender que a maioria das pessoas procura a repartição pública para solucionar problemas, muitos deles, absolutamente desgastantes.
         Muitas vezes as grosserias estão presentes, seja porque incrustadas no jeito de ser do interessado visitante (“pago impostos e quero meu problema resolvido agora”); seja porque motivadas pela sua instabilidade emocional temporária (por razões de saúde, financeiras, familiares, profissionais, amorosas etc.) ou até permanente (desvios de personalidade); seja por reação ao mau atendimento prestado por algum servidor que indevidamente transferiu suas frustrações a terceiros.
         Outras vezes, o servidor público depara com pessoa simplória, desinformada e/ou de parcos conhecimentos.
         Por fim, há casos nos quais a indignação do reclamante nem sempre é compreendida pelo servidor público, pois ele indevidamente se coloca no lugar do cidadão e entende que não se ofenderia ou não reclamaria pelo mesmo motivo, como se os pontos de vista não variassem de pessoa para pessoa.
         É evidente que julgar, logo de plano, a legitimidade ou não da reclamação e a necessidade ou não de providências não é o melhor caminho, pois os graus de tolerância aos fatos da vida variam conforme a idade, o sexo, o grau de instrução, a profissão, o nível social e até a religião de cada pessoa. Tais fatores devem ser minuciosamente sopesados antes de o servidor desdenhar da situação narrada pelo cidadão.
         Certa vez, por exemplo, um senhor esteve na Delegacia para solicitar registro de ocorrência inusitada. Julgava-se ofendido porque uma pessoa teria perguntado a um conhecido, nas imediações da sua residência, se ele tinha falecido. Muitos não se incomodariam com o mesmo questionamento, mas talvez o tal senhor o tenha encarado como um mau agouro. Respeitei a reclamação, mas esclareci que a lei não reprovava a conduta.
         Algumas dúvidas também podem parecer ridículas para os mais escolados, mas, ao mesmo tempo, perturbar os desinformados. Recordo-me de que certa vez uma senhora adentrou na Delegacia (em vez de ter se dirigido a qualquer unidade de saúde) e antecipou que estava com vergonha de perguntar, mas acabou me pedindo uma opinião. Disse que ficou sabendo que seu sobrinho estava sendo procurado pelo Centro de Saúde de Pirajuí sob suspeita de ser portador de uma doença no “bingulim” (pênis, segundo o Dicionário Aurélio). Alegou que o tal indivíduo estava hospedado num lote no Projeto de Assentamento Antonio Conselheiro, em Guarantã(SP), e que em tal residência havia moças que eventualmente poderiam se sentar em algum local onde o supostamente infectado pudesse ter se sentado, o que, no entendimento da reclamante, geraria risco de contágio. Diante da inusitada consulta, encaminhei à solicitante à Assistência Social do município para que a questão que envolvia seu sobrinho fosse esclarecida.
         Noutras oportunidades, ébrios e desequilibrados ou tumultuam ou alegram, mas o certo é que de certa forma alteram a rotina das repartições. Recentemente uma acusada de furto compareceu na sala de audiências do Fórum de Cafelândia(SP) e deu um forte e demorado abraço no servidor André Arnal (pareciam fã e artista de novela!). Ato contínuo, começou a chorar e a implorar a ele, em voz alta, para que “limpasse” o seu nome dela, já que estava sendo processada. Fiquei sabendo que ela era alcoólatra e não precisei mais do aquilo que vi para instaurar, de imediato, incidente para aferição da sanidade mental.
         Como se vê, os servidores públicos devem estar preparados para tudo e, de preferência, isentos de conceitos próprios acerca da relevância e da urgência das situações que lhes são postas. Precisam se policiar a todo o momento. Não devem subserviência a quem quer que seja, mas, no mínimo, respeito; tolerância em relação às desigualdades de toda sorte e exata noção das aflições e limitações de toda ordem que cada vez mais atingem os seres humanos.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito de Cafelândia(SP)
(publicado no Getulina Jornal de 23/11/2008)