Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Participação em suicídio

Participação em suicídio
         Talvez possa parecer estranho falar de suicídio logo depois do período em que se festejou o nascimento de Cristo, mas infelizmente esta idéia está presente na cabeça de muitas pessoas e em razão das conseqüências jurídicas que podem advir da sua ocorrência ou da sua mera tentativa, um breve estudo do tema acaba se tornando pertinente.
         Há alguns dias eu trabalhava no Plantão Policial de Lins(SP) quando, numa mesma noite, deparei com casos de pessoas que anunciaram que colocariam fim às próprias vidas.
         O primeiro caso versou sobre uma tentativa de suicídio. Um rapaz, desgostoso da vida por problemas familiares, adentrou no quarto e se dependurou pelo pescoço. Ocorre que, uma vez suspenso pela própria cinta, desistiu do suicídio e passou a se debater para se desvencilhar dela, instante em que foi salvo por familiares que ouviram seu pedido de socorro. Uma pessoa o segurou pelas pernas enquanto que outra cuidou de livrá-lo do objeto que o sustentava. Preocupada com o ocorrido, a família acertadamente registrou o fato que, apesar de não-criminoso, poderá influenciar a análise de eventuais novas tentativas. Imagino que o arrependido deva ter passado por maus momentos.
         A segunda situação envolveu uma jovem de pouco mais de 20 anos que em razão de um mero desentendimento nos dizia repetidamente que tiraria a própria vida. Ora ela nos pedia papel e caneta para deixar uma mensagem para os pais, ora nos solicitava o telefone para contatá-los. É evidente que não foi atendida. Instantaneamente deixou o prédio e correu para o meio da rua, mas assim que avistou o primeiro veículo já se protegeu na calçada e acabou desistindo da idéia de se jogá-la contra ele.
         A ingestão excessiva de medicamentos com o propósito de morrer ocorre com certa freqüência, mas normalmente a intervenção médica evita o evento letal. Muitas vezes a pessoa quer muito mais chamar a atenção do que propriamente “ir desta para melhor”, posto que não raramente ela avisa a família que ingeriu as cápsulas ou mesmo não se preocupa em esconder as cartelas vazias, possibilitando, desta forma, o correto atendimento médico. Em resumo: quer e não morrer, se é que me entendem...
         Ao longo da carreira todo policial depara com casos análogos. Uma das situações que mais impressionou foi a tentativa de suicídio de um indivíduo que ingeriu raticida. Ele foi socorrido e o visitei na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital. Dias depois ele ainda exalava o cheiro do veneno pela boca. Era até difícil conversar... Aliás, as pessoas com idéias suicidas que porventura visitassem uma UTI e verificassem de perto a luta dos pacientes contra a morte certamente desistiriam de seu intento.
         O direito à vida é indisponível. Juridicamente isto quer dizer que ninguém pode abrir mão dele, ou seja, que ninguém pode consentir ou pedir a alguém que lhe tire a vida. Este é um dos argumentos que sustentam a corrente contrária à eutanásia.
         O Código Penal cuida da participação em suicídio no artigo 122, e prevê penas para aquele que induz (faz surgir a idéia), instiga (reforça a idéia já existente) ou auxilia (fornece a corda etc.) outrem a suicidar-se. O participante responderá criminalmente se houver morte ou mesmo se o suicida sofrer apenas lesões graves.
         Àquele que não consegue se matar, por motivo de política criminal, não se imputa a prática de crime. A solução é inteligente na medida em que a imposição de pena certamente incentivaria a pessoa, já insatisfeita com sua condição pessoal, profissional, conjugal, financeira ou até sexual, a tentar novamente contra a própria vida. Há exceção: será responsabilizado o agente, por exemplo, que participar de um pacto de morte, sobreviva. Responderá pelas mortes dos demais suicidas a título de participação nos suicídios; ou mesmo por homicídio, quando tiver sido autor do ato que cessou outras vidas (ex. abriu a torneira de gás). O mesmo artigo 122 se aplica, ainda, aos sobreviventes da chamada “roleta russa”, posto que ao participarem do “jogo”, indiretamente contribuíram para a ocorrência da morte do infeliz que acabou disparando contra a própria cabeça.
         O julgamento do induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio cabe ao júri popular, vez que se trata de crime doloso com a vida.
         É por isso que quaisquer pessoas, notadamente profissionais da área da saúde, que tiverem ciência de suicídio ou tentativa frustrada de suicídio que possa ter contado com a participação de terceiro, devem acionar a Polícia para que o fato seja averiguado, a fim de que se verifique se houve contribuição de terceiro para a ocorrência do fato.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã(SP)
(publicado no Getulina Jornal de 7/1/2005)