Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Travestis: o que é certo, é certo...

Travestis: o que é certo, é certo...
         Num dos últimos plantões na cidade de Lins um policial consultou-me sobre a possibilidade de apresentar, nas nossas dependências, vários travestis que, segundo alegou, estariam se aglomerando nas imediações da Praça Joaquim Piza, tudo porque alguns moradores das imediações estavam reclamando da presença deles.
         Não é novidade que parte dos travestis é usuária de drogas e que alguns deles costumam se envolver em furtos durante a “prestação dos serviços” (muitas vezes com uma destreza de se “tirar o chapéu”!).
         Ainda sem generalizar, não se discute que às vezes eles promovem algazarras e praticam atos considerados obscenos.
         Ocorre que a nossa Constituição Federal elenca como direito fundamental o direito e ir e vir (art. 5º, inciso XV). O mesmo direito está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
         Tal direito, como qualquer outro, é relativo, ou seja, deve ceder ao interesse comum.
Entretanto, qualquer ato limitativo da fruição do direito à liberdade deve ser suficientemente fundamentado, sob pena de se revestir de abusividade criminalmente punível. Cada caso é um caso.
         Diga-se de passagem que o direito de reunião pacífica e desarmada em locais públicos também está elencado no mesmo art. 5º.
         O policial, muitas vezes, tem dificuldade para distinguir as situações em que pode atuar, leia-se, em que pode conduzir referidas pessoas para averiguação. Não raramente a sua atuação gera polêmica, diante da divergência de opiniões a respeito.
         Salvo nas hipóteses em que se evidencie a prática de ilícito penal, em regra, não se pode molestar tais pessoas.
         O problema é que muitas vezes parte da população, nem sempre bem-informada a respeito da problemática, cobra da Polícia providências inviáveis sob o ponto de vista legal.
         Muitos travestis acabam recorrendo ao Poder Judiciário para fazerem valer os seus direitos. Através de “habeas corpus”, por exemplo, é possível a obtenção de um “salvo-conduto”, ou seja, de uma ordem judicial preventiva que proíba o policial de conduzir o indivíduo sem motivo justificado, ou seja, pelo simples fato de estar se oferecendo à prostituição.
         É por isso que o “ponto” dos tais “profissionais do sexo” quase sempre persiste diante de providências meramente paliativas cabíveis ao caso.
         A condução daquele que não porta documentos e não tem como comprovar a sua identidade, a nosso ver, se justifica, mas não pode ultrapassar o tempo necessário à verificação dos antecedentes daquele que se encontra em atitude suspeita, sob pena de se tornar ilegítima.
         O raciocínio se reforça na medida em que se leve em conta que a prostituição, apesar de considerada como imoral por muitos, não encontra óbice na legislação, que só pune quem a explora. Atualmente já existem inclusive associações representativas da citada “carreira”.
         Por conta do exposto, o policial acabou se desestimulando a efetuar a condução dos travestis, considerando, inclusive, a minha alegação de que o espaço físico do Plantão seria insuficiente para acomodá-los durante os poucos minutos que ficariam por lá. Além do mais, a presença deles, que algumas vezes usam trajes sumários e costumam ingerir bebida alcoólica durante o tempo em que estão trabalhando, poderia constranger outras pessoas que eventualmente necessitassem dos serviços policiais.
         É preciso que a população tenha uma breve noção dos mecanismos à disposição da Polícia para que saiba que a atuação nem sempre pode corresponder aos seus anseios. É necessário, ainda, que o Polícia reflita que parte dos envolvidos é inofensiva à coletividade e busca na citada atividade unicamente sua sobrevivência (e muitas vezes a da sua família), já que o reprovável preconceito costuma ser uma barreira à sua colocação profissional.
         O que é certo, é certo...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã(SP)
(publicado no Getulina Jornal de 22/5/2005)