Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Serenidade

         Descobrir que o filho está usando droga deve ser impactante, mas há maneiras e maneiras de se comportar para ajudar...
         Em março de 2002 eu era Delegado de Polícia em Getulina(SP). Uma jovem que seguia para a Penitenciária para visitar o namorado foi abordada com maconha. A embalagem, em formato cilíndrico, denunciava a intenção de introdução na vagina para repasse. Ela foi autuada por tráfico. Até então nunca tinha sido indiciada.
         Por um equívoco, o laudo de exame da maconha não foi encaminhado ao Fórum juntamente com o auto de prisão, que, por isso, foi relaxada. A jovem foi libertada. A solução, do ponto de vista jurídico, foi bastante questionável, pois por meio de um mero telefonema poderíamos ter sido instados a apresentar o laudo, que, obviamente, tinha sido confeccionado (tanto que sobreveio condenação).
         A genitora da jovem, Advogada que militava no litoral, veio buscar a filha. Para minha surpresa, depois me escreveu. A carta me surpreendeu tanto que a tenho até hoje. Contemplou trechos bem inusitados...
         A Advogada relatou que durante os dias em que sua filha foi “hóspede”, “tomar banho de cano, comer o ‘bandeco’ e jogar bola com as ‘meninas’ foi uma experiência que em nada a desagradou”. Constou que a filha, em verdade, ficou mais incomodada com os seus telefonemas para saber como ela estava. Ressaltou que sua filha descobriu que “aquele papo de que ‘isso é uma erva que não faz mal e paro quando quiser’ não era verdade”. Enfatizou que sua filha começou a trabalhar consigo assim que deixou a prisão e que se tornou responsável pelo pagamento dos honorários parcelados pela Advogada que cuidou do caso aqui na região. Fez menção à terapia pela qual toda a família passou. Mencionou participação de todos nas reuniões do grupo “Amor Exigente”. Garantiu que a filha abandonou o namorado. Acreditou que a droga era para o uso da própria filha, visto que o namorado preso não era usuário. Consignou que a falta da neta por perto determinou uma mudança na vida da sua filha. Ponderou que jamais levaria a neta para visitar a sua filha na cadeia, o que despertou intensa reflexão na presa. E arrematou, referindo-se ao atendimento que lhe prestei quando esteve na Delegacia, um dia depois da lavratura do flagrante: “Eu estava num horrível dilema, mas suas palavras no primeiro dia me tranqüilizaram e me deram a certeza de que uns dias aí poderiam ser muito proveitosos para um exame de consciência por parte dela”.
         Revirando meus arquivos, deparei com a correspondência e fiquei curioso. Telefonei para o número constante no rodapé e falei com a Advogada que a tinha redigido.
         Passados 10 anos, as notícias eram as melhores. A outrora autuada em flagrante agora é bacharel em Direito e trabalha com a mãe. Segundo a Advogada, sua filha se afastou antigas amizades e nos últimos anos se dedicou muito à filha dela, ao estudo e ao trabalho. Consta que logo depois da libertação, se afastou das drogas. Parece que aquela fase difícil ficou mesmo para trás...
         É claro que cada envolvimento com drogas tem suas peculiaridades. A personalidade do jovem e a sua propensão para receber conselhos; o rol de amizades; o tipo de substância; o grau de dependência; as oportunidades e recursos à disposição etc., são fatores podem favorecer ou dificultar o enfrentamento do problema.
         Mas o ocorrido é uma prova de que a prisão, quase sempre tida como “faculdade do crime”, a depender da situação, pode ser tão impactante para a pessoa presa a ponto de provocar profunda reflexão e mudança de comportamento. E, é claro, se a família e as pessoas próximas, dentro do possível, encararem tudo com serenidade, essa postura certamente contribuirá para o desfecho positivo...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Correio de Lins de 19/5/2012 – p. 2)

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