Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Saída temporária versus indulto

Saída temporária versus indulto
         Tão freqüente quanto a concessão da saída temporária aos presos é a confusão que decorre da sua diferenciação com o indulto.
         A cada data festiva deparamos com um verdadeiro festival de erros por parte de alguns órgãos da imprensa. Não se concebe que grandes jornais e emissoras de televisão, responsáveis pela disseminação da informação falsa que hoje está “na boca do povo”, destinem tão pouca importância à revisão jurídica de seus textos.
         É bem verdade que a diferença é técnica, mas tem sido desagradável presenciar servidores do Poder Judiciário, da Polícia e da Administração Penitenciária, às vezes até mesmo em entrevistas televisivas, se equivocando com constância, mesmo os bacharéis em Direito.
         Indulto e saída temporária são institutos diversos e, em linhas gerais, retrataremos as suas diferenças.
         Quando alguém pratica uma infração penal, surge para o Estado o direito de punir. O indulto é uma espécie de perdão, de clemência. Por meio do tal incidente de execução o Estado renuncia àquele direito, abre mão de punir ou de continuar punindo o infrator, ou permite a comutação da pena originalmente imposta pelo Poder Judiciário. A competência é afeta ao Presidente da República, que discricionariamente decide pela concessão, podendo, ainda, delegar tais atribuições administrativas a Ministro de Estado, ao Advogado-Geral da União ou mesmo ao Procurador-Geral da República. Tem caráter coletivo (a modalidade individual recebe o nome de “graça”) e é concedido espontaneamente. Atinge os efeitos principais da condenação, subsistindo os efeitos secundários penais e extrapenais (persiste o dever de reparar civilmente o dano). Por meio do indulto o Presidente pode extinguir, diminuir ou comutar a pena. A concessão pode ser condicionada a circunstâncias atuais ou futuras. É possível, por exemplo, que ser exija primariedade, idade máxima do sentenciado, cumprimento de certa fração da pena ou específico regime prisional. Há, portanto, uma motivação política no ato do Presidente (já se fez uso dele unicamente para o esvaziamento de presídios), que, uma vez editado, será cumprido pelas Varas de Execuções, incumbindo aos respectivos Juízes a análise do preenchimento de requisitos e a efetiva extensão do favor a cada condenado.
         A saída temporária, por sua vez, tem contornos bem diferenciados. É ato do Juiz da execução (e não do Presidente da República), ouvidos o Ministério Público e a administração do estabelecimento prisional. Como o próprio nome indica, a liberdade é efêmera, excepcional, e não definitiva como aquela que pode decorrer do indulto. A Lei de Execuções Penais somente autoriza a concessão àquele que estiver cumprindo pena em regime semi-aberto (o indulto pode abarcar qualquer regime). Três situações justificam a saída temporária: permitir visita à família; freqüência a curso supletivo profissionalizante, ou mesmo de ensino médio ou superior; ou a participação em atividades que contribuam para a ressocialização. O Juiz deve considerar o mérito do condenado e a compatibilidade da saída com a finalidade da pena. As saídas estão limitadas ao prazo máximo de 7 dias (por isso mesmo são ditas “temporárias”), salvo se concedidas para a freqüência a cursos (quando terão a mesma duração deles) e estão limitadas a cinco concessões por ano. Na prática costumam ser autorizadas no Carnaval, no Dia das Mães, no Dia dos Pais, no Natal e no Reveillon. A lei determina o cancelamento imediato do benefício, dentre outras situações, quando o beneficiado praticar fato definido como crime doloso (já tive a oportunidade de escoltar o autor de ameaça de volta à Penitenciária de Valparaíso). O preso precisa ter cumprido 1/6 do total da pena (ou 1/4 ser for reincidente). Infelizmente a finalidade de propiciar ao condenado alguns dias de convívio familiar nem sempre é alcançada, seja porque muitas vezes ele sequer possui família ou não será recebida por ela, seja porque não há fiscalização sobre a sua conduta, seja porque muitas vezes ele não procura pela família, mas se serve da liberdade para o cometimento de crimes e de atentados.
         Na saída temporária para o Dias dos Pais a polícia linense, em atitude louvável, se desdobrou para acompanhar os passos dos beneficiados, mas nem sempre isso é possível, dada a escassez de policiais para tanto. Temos observado certa falta de sintonia entre as Secretarias da Administração Penitenciária e de Segurança Pública. Nem sempre a primeira oferece e nem sempre a segunda solicita ou aproveita as informações referentes às identidades e endereços declarados dos beneficiados. A falta de oferta ou a falta de procura já não se justificam, visto que ambas as Secretarias dispõem de Intranet’s que muito facilitariam a troca de informações e a sua rápida divulgação às Autoridades Policiais, assim como a remessa de fotografias atualizadas.
         Proponho que a Justiça passe a determinar que os estabelecimentos prisionais forneçam às Autoridades Policiais e aos Comandos das Polícias Militares, com necessária antecedência, as sobreditas informações. O que se vê, na prática, é que antes de cada concessão os policiais começam a tentar adivinhar se determinado preso será beneficiado e se desdobram para tentar confirmar tal suspeita. Antes de ser beneficiado, cada preso tem o dever de fornecer o endereço que visitará e onde poderá ser encontrado. Os policiais dificilmente têm conhecimento se algum preso desconhecido pernoitará na cidade em que trabalham. No mês passado tivemos o exemplo de um sentenciado do litoral que acabou fornecendo endereço de Lins sem que tivesse qualquer vínculo familiar na região, unicamente por ter sido convidado por um colega de cela. Ele acabou sendo identificado, mas poderia ter praticado crimes com mais facilidade porque era desconhecido da Polícia local. A própria concessão é discutível, pois a lei é clara ao tratar da visita à “família”.
         O indulto normalmente é concedido no período natalino. As saídas temporárias costumam ser deferidas tanto para as festas de final de ano quanto para outras datas festivas, como já ressaltado. A coincidência de concessões no Natal pode ser uma das causas da utilização dos conceitos como se fossem sinônimos.
         Consideradas a falta de esclarecimento público a respeito dos institutos e as falhas na divulgação, cremos que podem se considerar “indultados” os que já se equivocaram sobre as tratadas diferenças.
         Estou certo de que nossos órgãos de comunicação e principalmente os profissionais acima mencionados saberão comentar o assunto com mais precisão nas próximas oportunidades...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã(SP)
Responsável pelas Delegacias de Pongaí e de Uru
(publicado no Correio de Lins de 11/10/2006 e no
Getulina Jornal de 24/9/2006)