Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

“Zona Vermelha”

“Zona Vermelha”
         Infelizmente as Autoridades e a sociedade têm esmorecido e o avanço da presença dos chamados “flanelinhas” nos estacionamentos públicos tem sido significativo Brasil afora.
         As Autoridades deixam de combater aquilo que é explícito e que incomoda a maioria das pessoas ora por falta de condições (baixo efetivo policial, falta de entrosamento entre os setores direta ou indiretamente competentes etc.); ora pela falsa concepção de que se ninguém reclama (o que é regra no Brasil) não é preciso intervir; ora por falta de vontade (já que os locais da atuação são por todos conhecidos). Esquecem-se, todavia, de que poucas pessoas se sentem à vontade para acioná-las, seja pelo risco de serem colocadas diante do denunciado; seja por simplesmente não acreditarem (em virtude dos mais variados motivos) numa intervenção eficaz; seja por presumirem que alguma coisa já esteja sendo feita etc. Muitas vezes é mais fácil “privatizar” os espaços públicos e “regulamentar” a “profissão”, providência discutível que observamos em algumas cidades.
         A comunidade, por sua vez, falha, como sempre, pela omissão, seja porque não aciona as Autoridades (poucos se sujeitam ao “aborrecimento” de comparecer num Plantão Policial, pois é mais fácil entregar alguns centavos e “lavar as mãos” do que questionar); seja porque desconhece a possibilidade de a prática configurar infração penal; seja por fomentá-la. Desconsidera, outras vezes, que há Autoridades preparadas e com vontade de resolver o problema.
         Costumo dizer que quando se encerra o horário do estacionamento rotativo normalmente chamado de “Zona Azul”, se inicia a “Zona Vermelha” administrada por desocupados de várias idades, todos na busca do “ganho fácil”. E ainda que você diga que ninguém precisa cuidar do seu carro (o que pode constituir, como se sabe, um risco), quando retorna, alguém simplesmente lhe pede uma moeda. Em suma: não é a “prestação de serviço” que justifica a arrecadação, mas a deliberada mendicância...
         Recentemente um Juiz rondoniense condenou um flanelinha ao cumprimento de quatro anos e seis meses de reclusão pela prática de extorsão. Segundo decisão do juiz Daniel Ribeiro Lagos, da 3ª Vara Criminal de Porto Velho (RO), o acusado agrediu o dono de um carro, exigindo que ele pagasse R$ 10,00 por ter vigiado o veículo. O “usuário do serviço” se negou a pagar e disse que daria apenas R$ 2,00. Enfurecido com a proposta, o acusado jogou pedras no carro e no seu dono, que foi ferido (vide Revista Consultor Jurídico de 1º/10/2008). Na mesma decisão o Juiz advertiu, com razão: “está passada a hora das autoridades assumirem uma postura desprovida de hipocrisia em relação à atuação nefasta dos chamados 'flanelinhas' que, a pretexto de trabalho, exigem dos motoristas pagamento por serviços de vigilância para estacionar em via pública, arvorando-se 'donos' do espaço público, quando se sabe que o que se cobra não é vigilância, mas pagamento para não ter o bem danificado” (sic). E prosseguiu: “se for justificar essa atividade no desemprego, estaria justificado a pistolagem, o tráfico de entorpecentes, entre outros, com reflexos econômicos, o que é inadmissível” (sic).
         A simples presença do agente e, principalmente, a maneira como impõe o seu pedido, podem caracterizar extorsão. Nem é necessária ameaça explícita. Para que o crime se configure é necessário que a ameaça tenha potencial danoso, que seja capaz de atemorizar; e que o ato da entrega do bem não seja voluntário, mas influenciado pelo temor. Cada caso deve ser criteriosamente avaliado. No Litoral, por exemplo, é comum aquele discurso: “Ô sinhô, é o seguinte, já puxei cadeia por 157, roubo à mão armada, mas não queria mais roubar... Tô precisando de dinheiro e o pessoal tá colaborando...”.
         Subsidiariamente, é possível que a contravenção de mendicância se configure.
         É preciso dar um basta à verdadeira demarcação de espaços públicos protagonizada por esses indivíduos. Em alguns casos, há verdadeira limitação do direito de ir e vir, pois as pessoas de bem se vêm obrigadas a deixar de frequentar determinados lugares ou para não pagarem a “taxa”; ou, por não tolerarem a prática, para não se indisporem com os “flanelinhas”.
         Todavia, não se trata de uma questão de interesse meramente policial. O problema deve ser enfrentado por uma força-tarefa que envolva também o Conselho Tutelar (pois o abuso de crianças e adolescentes pelos pais ou familiares também pode ser criminoso ou elas podem ter sido abandonadas) e Assistentes Sociais (a fim que as justificativas apresentadas sejam investigadas e de que sugiram meios para contornar as dificuldades). Não seria exagerado o cadastramento dessas pessoas para que o índice de reiteração fosse aferido... É preciso averiguar, por fim, se condenados em regime aberto ou investigados em liberdade provisória não estão descumprindo compromissos que assumiram perante a Justiça, como por exemplo, de conseguirem ocupação lícita e de retornarem aos seus lares até determinado horário.
         Só assim o incômodo será atenuado...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Correio de Lins de 6/6/2009)