Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte V

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte V
         A autorização da interrupção da gestação não equivale, como entende a representante da Associação para o Desenvolvimento da Família, a médica endocrinologista Ieda Therezinha Verreschi, também ouvida em audiência pública pelo Supremo, a “um retorno da sociedade à barbárie”. Não se trata de avaliar o ser humano só pela sua eficiência. Não é uma opção nazista por determinadas características físicas ou pela perfeição, mas uma sensata opção pela saúde da gestante, da sua família e de todos que a acompanham. Não se está diante de uma pessoa deficiente (na sua acepção mais restrita), mas de um ser vivo com aparência de pessoa que jamais poderá ser adjetivado como tal. Ela mesma admitiu que de 40% a 60% nascem vivos, mas é certo que apenas 8% sobrevivem por mais algum tempo depois do parto. Ou seja, de 40 a 60% nascem mortos e 92% morrem imediatamente após o porto. Mais do que isso, 100% falecem...
         Recentemente decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Processo 70011918026): “O feto anencefálico, rigorosamente, não se inclui entre os abortos eugênicos, porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida pós-parto extra-uterina. Embora não incluída a antecipação de parto de fetos anencéfalos nos dispositivos legais vigentes (artigo 128, I, II CP) que excluem a ilicitude, o embasamento pela possibilidade esteia-se em causa supra-legal autônoma de exclusão da culpabilidade por inexigível outra conduta. O “aborto eugênico” decorre de anomalia comprometedora da higidez mental e física do feto que tem possibilidade de vida pós-parto, embora sem qualidade, o que não é o caso presente, atestada a impossibilidade de sobrevivência sem o fluido do corpo materno. Reunidos todos os elementos probatórios fornecidos pela ciência médica, tendo em mente que a norma penal vigente protege a “vida” e não a “falsa vida”, legitimada a pretensão da mulher de antecipar o parto de feto com tal anomalia que o torna incompatível com a vida. O direito não pode exigir heroísmo das pessoas, muito menos quando ciente de que a vida do anencéfalo é impossível fora do útero materno. Não há justificativa para prolongar a gestação e o sofrimento físico e psíquico da mãe que tem garantido o direito à dignidade. Não há confronto no caso concreto com o direito à vida porque a morte é certa e o feto só sobrevive às custas do organismo materno. Dentro desta ótica, presente causa de exclusão da culpabilidade (genérica) de natureza supra-legal que dispensa a lei expressa vigente cabe ao judiciário autorizar o procedimento”.
         O tema ainda é (e em verdade sempre será) polêmico, mas a sociedade se inclina pela legalização expressa do abortamento do anencéfalo.
         O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aos 13/2/2006, aprovou por unanimidade parecer favorável ao Projeto de Lei 4.403, da Deputada Jandira Feghali, que defende a legalização do aborto no caso de fetos anencefálicos.
         Ora, se o art. 128 do Código Penal autoriza o aborto de um feto perfeito e viável, a respeito do qual desconheço qualquer espécie de questionamento (nem mesmo proveniente dos mais “apaixonados pela vida” e dos mais fanáticos religiosos), mas decorrente de crime sexual, tão-somente para preservar a saúde mental da mãe; não é justo que esta seja condenada a trazer no seu ventre um feto inviável e em conseqüência seja submetida a uma dor ainda mais intensa: a de saber que o filho não pensa e não pensará, não sente e não sentirá, e que pelo tempo em que apresentar circulação sangüínea estará num leito de hospital, submetendo a família, os amigos e, por que não dizer, até os profissionais de saúde encarregados dos cuidados básicos, à angústia de ter de conviver com um ser naquelas condições e de prosseguir de mãos atadas até que a Justiça delibere sobre o assunto.
         Conforme já salientou o eminente Min. Joaquim Barbosa nos autos do “Habeas Corpus” 84.025-6/RJ: “ao proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal”.
         (confira a próxima edição)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito de Cafelândia(SP)
(publicado no Correio de Lins de 9/5/2009)