Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Urgência urgentíssima

Urgência urgentíssima
         Quando eu era criança duas expressões às quais o noticiário sempre se referia me intrigavam...
         A primeira delas era “Ministério Público” (MP), pois eu compreendia, por exemplo, quais eram funções dos Ministérios da Saúde e da Educação, mas não entendia o porquê da denominação do primeiro e muito menos quais tarefas lhe incumbiam. Achava que era um órgão do Poder Executivo, dada a semelhança dos nomes. Somente com o passar do tempo é que soube que se tratava de uma instituição com funções bem definidas e das mais confiáveis. Acabei até sendo Estagiário do MP (dos Drs. Paulo Sérgio, Roberto, Júlio, Noêmia, Gilberto etc.), onde mantenho muitos amigos.
         “Urgência urgentíssima” era a outra expressão enigmática. Não era tão simples entender que dentre as situações urgentes poderia haver as urgentíssimas. Eu nem sonhava com o significado de superlativo. Com o tempo soube que os regimentos das Casas Legislativas costumam prever maneiras mais céleres de serem analisados alguns assuntos tidos como urgentíssimos...
         Hoje eu sinto na pele a existência da “urgência urgentíssima”. Muitos não sabem, mas a aflição do Juiz no momento da escolha do caso que vai decidir talvez se equipare a que lhe acomete no ato de redigir a decisão.
         É que o acúmulo de serviço costuma exigir do Magistrado um prejulgamento. É evidente que não digo respeito à interferência de uma idéia preconcebida e/ou à contaminação da imparcialmente, mas ao esforço que o Juiz faz para, dentre os muitos casos pendentes, selecionar os que primeiramente merecerão a sua atenção.
         Os critérios legais e regulamentares de preferência hodiernamente são tantos que o que deveria ser exceção tem se tornado regra a ponto de inviabilizar a efetividade dos privilégios.
         A preferência regrada ora leva em conta a condição da parte (processos envolvendo idosos ou réus presos, por exemplo); ora considera a antigüidade do recebimento do processo no gabinete do Juiz (exigência da Corregedoria); ora privilegia o assunto tratado (demandas eleitorais, mandados de segurança, pedidos de prisão ou de liberdade etc.); ora se revela pela roupagem dada ao pedido (liminar, cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela).
         O fato é que não é tão simples cumprir todas as regras e ao mesmo tempo ser justo com o jurisdicionado. Esperar mais um dia na cadeia só porque o Juiz ainda não apreciou o pedido líquido e certo de prescrição não é justo. Deixar a Polícia cercando um imóvel por horas até deliberar sobre uma busca domiciliar é um desestímulo para os policiais e pode ser um incentivo à impunidade, já que o produto ilícito pode desaparecer. Protelar a assinatura de uma guia de levantamento que servirá para a parte e/ou o Advogado custearem seu sustento pode ser leviandade. Deixar para depois o requerimento de ordem liminar para que a Secretaria da Saúde se abstenha de sacrificar um cão com leishmaniose (caso que tramita em Cafelândia) pode parecer bobagem para quem não é o dono do animal etc. Não há dúvida da urgência.
         Mas, fazendo uma análise rápida das situações já enfrentadas, concluí que o mais intenso sofrimento a que se pode submeter uma pessoa consiste em obrigá-la, o que de certa forma o Juiz acaba fazendo se não agir com rapidez, a conviver com uma companhia indesejada ou a manter distância da pessoa desejada, ou restringir a sua liberdade de ir e vir.
         É por isso que merece respeito o pedido de uma mulher atemorizada para que se delibere sobre a separação de corpos. Também por isso se deve apreciar com agilidade o pedido de interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Pelos mesmos motivos as decisões sobre a guarda e a adoção de uma criança esperançosa; sobre a visitação dela; e sobre a liberdade de quem pode ser um inocente desconsolado não podem esperar. O mérito da decisão pode até não agradar, mas a apreciação requer possível rapidez.
         Em “A Voz da Toga”, Capítulo XI, o Magistrado Eliézer Rosa escreveu: “Um juiz do cível tem problemas árduos para resolver, mas os juízes criminais e de família têm problemas que envolvem valores humanos, sociais, espirituais, que, se os demais juízes também os têm, serão em menor escala”.
         O resto, apesar da urgência, em tese pode esperar: consegue-se dinheiro emprestado; compra-se a prazo; busca-se ajuda na Assistência Social; oculta-se o cão até o pronunciamento judicial; colhem-se outras provas contra o infrator etc. Posso estar enganado, mas urgentíssima mesmo é a decisão que tem por objetivo separar e/ou reunir pessoas, já que poucas situações são tão tormentosas para o normalmente carente e dependente ser humano do que a convivência ou a distância forçadas...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito de Cafelândia(SP)
                (publicado no Getulina Jornal de 14/12/2008)