Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Local [parcialmente] prejudicado – Parte I

Local [parcialmente] prejudicado – Parte I
         No cotidiano policial algumas práticas se enraizaram a ponto de posturas serem tomadas de forma mecânica, sem que se questione o seu verdadeiro significado.
         Tratarei de um dos enfoques da produção da prova pericial e das suas conseqüências, tema que interessa principalmente aos envolvidos, expectadores e profissionais que atuam nos acidentes de trânsito.
         O Código de Processo Penal, no art. 6º, trata de algumas das inúmeras tarefas que a lei impõe à Autoridade Policial diante da ocorrência de crime. Determina que o Delegado de Polícia preserve a cena do crime até a chegada dos peritos e colha todas as provas que servirem ao esclarecimento do fato e de suas circunstâncias. Estabelece, ainda, que deve “determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias”. Em 1941, quando a regra foi editada, presumia-se que o Delegado pudesse comparecer em todos os locais de crime, o que atualmente não passa de uma utopia. A regra da preservação, por isso, deve ser entendida como endereçada não só ao Delegado, mas ao primeiro policial que chegar ao local. Muitas vezes a notícia do ocorrido é repassada pela própria vítima, situação que exige do policial que a atendeu a colheita do maior número possível de informações e a devida orientação do solicitante.
         Não obstante a exigência legal, é relativamente comum depararmos com boletins de ocorrência que indevidamente mencionam a expressão “local prejudicado”, Em conseqüência, mesmo diante de pequenas alterações na cena do crime, acabam por dispensar a imprescindível presença dos peritos.
         Seja por desídia, conveniência ou por mero desconhecimento do escrivão, do Delegado (quando lhe é possível acompanhar de perto o registro), do perito ou do policial, civil ou militar, que apresenta a ocorrência; ou mesmo pelo repasse incompleto de informações por parte dos envolvidos, muitas vezes deixam de ser colhidos preciosos elementos de convicção que acabam se perdendo no tempo e jamais poderão ser resgatados.o que acabam se perdendo no tempo e jamais poderilitar, que apresenta a ocorrto e "taposentou) Isso porque não raramente se tem uma visão equivocada do que efetivamente “prejudica” uma vistoria pericial; ou mesmo porque não há devida reflexão sobre a utilidade dos indícios que ainda restaram no local parcialmente alterado. Certo é que dificilmente todos os vestígios serão eliminados, voluntária ou naturalmente, a ponto de se dispensar o exame.
         O exemplo mais comum é o cada vez mais freqüente acidente de trânsito. Os envolvidos muitas vezes alteram, de forma proposital ou mesmo descuidada, ou ainda pela necessidade de liberar o fluxo ou de evitar novos acidentes, as posições dos veículos envolvidos. Na prática a alteração acaba implicando na vistoria individual dos carros e na equivocada e injustificada não-visitação do local pelos peritos, o que pode causar enorme prejuízo à prova.
         Via de regra, o local deve ser visitado. A precipitada conclusão pelo “local prejudicado” deve dar lugar à reflexão de que normalmente o fato produz vestígios importantes para a determinação da sede da colisão e conseqüentemente para a aferição da culpa. É evidente que os peritos não poderão, diante da remoção dos veículos, delinear responsabilidades com a mesma convicção com que o fariam se o local estivesse totalmente preservado, mas nem por isso deixarão de ser extremamente úteis no que tange à análise do local parcialmente prejudicado. Poderão até mesmo sugestionar que alguém, por meio das alterações, tentou iludi-los... Entender o contrário seria supor, por exemplo, que não é importante que os peritos indiquem que a cena de homicídio foi “lavada”, constatação esta que auxiliaria na formação da convicção, se fosse o caso, de que o morador pudesse ter algo a esconder da Polícia. Até mesmo a constatação da ausência de sangue pelo chão interessaria à composição da prova. Para a demonstração de um arrombamento, por exemplo, ainda que uma porta tenha sido reparada pela vítima, é possível que a equipe de perícias relate que ela foi soldada recentemente, informação que, conjugada às demais, pode demonstrar que efetivamente houve uso de violência para o acesso ao imóvel.
         O local, portanto, poderá ser considerado “prejudicado” para uma finalidade, mas não para outras. Diante da gama de circunstâncias que devem permear uma investigação, dificilmente não haverá nada a constatar. Até pequenos fragmentos de vidro ou fios de cabelo têm algo a revelar.
         A prova pericial, apesar do valor relativo, muitas vezes por si só condena ou absolve, tamanha a influência no conjunto probatório. É preciso atentar, ainda, para a necessidade de se lançar mão dela não só para comprovar algo que integra a previsão criminosa, mas também para nortear a fixação da pena. Certa vez atendi a ocorrência acerca do roubo do cofre de uma lotérica e não me contentei, por exemplo, em solicitar que se descrevesse o vão produzido na parede no prédio, como normalmente ocorreria. Requisitei também a pesagem do cofre, pois desta forma documentaria a audácia dos ladrões que o carregaram para o interior de um veículo e a necessidade de participação de vários homens na ação delituosa. Numa outra oportunidade em que investiguei a venda proibida do Pramil (similar do Viagra), solicitei que um fragmento fosse comparado com a cartela encontrada com o vendedor para demonstrar que ele já comercializava uma segunda cartela, ou seja, que o fragmento não integrava a cartela apreendida. Não se tratam de idéias geniais, mas de detalhes que poderão fazer a diferença. Ainda que não recebam a esperada importância na fase judicial, é melhor “pecar pelo excesso do que pela falta”. É claro que o acúmulo de tarefas nem sempre nos permite atentar para os tais detalhes. Daí a necessidade de instar os envolvidos, notadamente os Delegados, presidentes das investigações, a não generalizarem o “local prejudicado” em prejuízo de constatações interessantes; a não deixarem de explorar, com bom-senso, toda a capacidade dos nossos peritos.
         A prova incompleta, diga-se de passagem, pode até provocar conclusões equivocadas sobre as responsabilidades e, em conseqüência, gerar punições injustas, interferindo inclusive na liberdade de algum dos envolvidos. Pode ferir a ampla defesa.
         O exame interessará inclusive ao defensor do investigado, na medida em que a Polícia não acusa, mas tenta chegar à verdade dos fatos, tendo como missão inclusive evitar injustiças. (continua...)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã
(publicado no Correio de Lins de 28/5/2006 e no
Getulina Jornal de 7/5/2006)