No primeiro semestre de 2012 o egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
julgar o Recurso Especial (REsp) 1.159.242, impôs indenização por abandono
afetivo.
O mesmo STJ já tinha decidido, em novembro de 2005 (REsp 757.411), que o
abandono afetivo não consistia ato ilícito e não era capaz de reparação
pecuniária. Entendeu-se que muitas vezes quem fica com a guarda transfere ódio
para a criança; que a indenização poderá não servir ao filho, mas à ambição de
sua representante legal; e que a imposição da indenização gera barreira
definitiva ao relacionamento e o filho ainda pequeno poderia sofrer as
conseqüências no futuro.
O art. 227 da Constituição assegura à criança o respeito, a dignidade e o
direito à convivência familiar, devendo ser protegida de toda forma de
negligência.
Entendo, todavia, que a ofensa excepcionalmente indenizável é somente aquela
que denote postura ativa, não bastando a omissão ou a indiferença. Ex.: Pai
que, indagado por mim em audiência sobre se estava mantendo contato com o
filho, disse, diante do garoto, acidamente: “Nem quero”.
Só assim, diante de um agir, é que o termo inicial do prazo prescricional
poderia ser definido. A omissão em geral parece que geraria direito imprescritível
à indenização, uma vez que se prolongaria no tempo. Haveria insegurança
jurídica.
Para
a omissão em si a lei já prevê conseqüências penais (abandono material e
abandono intelectual) e há mecanismos legais para garantia do dever de sustento
(pensão alimentícia) e da partilha (inclusive com cômputo do adiantamento da
legítima).
Veja-se que no âmbito penal não
existe abandono intelectual se o outro genitor garante a educação do filho. Na
esfera cível, a falta de afeto já implica na perda da guarda (art. 1.583 do
Código Civil). Pode implicar até na perda do poder familiar (art. 1.638 do CC e
art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
O Juiz pode ordenar que o filho
fique distante do pai que relutou a reconhecer a paternidade (art. 1.616 do
Código Civil). Isso indica que o legislador reconhece que o afeto nem sempre
estará presente...
O Min. Asfor Rocha, no REsp 757.411,
ponderou: “Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer
quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito,
iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor:
se abandono por uma semana, o valor da indenização seria "x";
se abandono por um mês, o valor da indenização seria "y", e assim por
diante”.
A resistência à paternidade, anoto,
pode ter uma série de motivações que não propriamente a indiferença. Pode
decorrer da dúvida fundada da paternidade; do distanciamento da mãe durante a
gestação; da alienação parental; da concepção pelo pai já casado que não quer
desestabilizar a outra família etc.
Como obrigar alguém a ter afeto por
outrem? O precedente pela indenização não pode motivar pais a “gostarem”
forçosamente dos seus filhos, agindo como atores? Será que geraria algum
benefício? Ou será que consistiria em verdadeira insegurança ao filho, que
sempre ficaria na dúvida se a aproximação do pai foi ou não interessada? Será
que o filho, depois da maioridade, aprovaria a iniciativa da mãe em demandar?
Será que não poderia acionar a mãe pelo agravamento do afastamento causado pela
demanda? Será que não devemos acreditar que sempre haverá tempo para
reconciliação? E será que a ação não a inviabilizaria?
A própria Ministra Andrighi admitiu
“alto grau de subjetividade, como afetividade, amor, mágoa, entre outros, os
quais dificultam, sobremaneira, definir, ou perfeitamente identificar e⁄ou
constatar, os elementos configuradores do dano moral”.
O
Min. Sidnei Beneti entendeu cabível a indenização quando ocorrer “tratamento
discriminatório em comparação com outros filhos”. O argumento não cria
precedente para um filho cobrar do pai a mesma atenção dada ao seu irmão, ainda
que todos residissem na mesma casa?
O Min. Massami Uyeda, vencido no
julgamento mais recente, ponderou: “Agora, o que é a negligência no sentido do
dever, do pátrio dever? Não sei. Nós mesmos, como pais, avós, temos inúmeras
falhas. As crianças, os filhos, hoje, já são adultos e podem até reclamar, e
até com muita razão”.
Concordo com Sua Excelência, quando
sensatamente argumentou: “Lamentavelmente, no estágio atual da evolução do ser
humano, do ponto de vista de evolução espiritual, estamos muito longe ainda, no
grande preceito do nosso maior de todos os Mestres, o Nazareno: ‘Amai-vos uns
aos outros como vos amei’”.
A
indenização pela omissão, em suma, além de indevida, a mim me parece que traria
mais prejuízos do que benefícios.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz
de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado
no Correio de Lins de 1º/9/2012)
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