Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Indenização por abandono afetivo

         No primeiro semestre de 2012 o egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial (REsp) 1.159.242, impôs indenização por abandono afetivo.
         O mesmo STJ já tinha decidido, em novembro de 2005 (REsp 757.411), que o abandono afetivo não consistia ato ilícito e não era capaz de reparação pecuniária. Entendeu-se que muitas vezes quem fica com a guarda transfere ódio para a criança; que a indenização poderá não servir ao filho, mas à ambição de sua representante legal; e que a imposição da indenização gera barreira definitiva ao relacionamento e o filho ainda pequeno poderia sofrer as conseqüências no futuro.
         O art. 227 da Constituição assegura à criança o respeito, a dignidade e o direito à convivência familiar, devendo ser protegida de toda forma de negligência.
         Entendo, todavia, que a ofensa excepcionalmente indenizável é somente aquela que denote postura ativa, não bastando a omissão ou a indiferença. Ex.: Pai que, indagado por mim em audiência sobre se estava mantendo contato com o filho, disse, diante do garoto, acidamente: “Nem quero”.
         Só assim, diante de um agir, é que o termo inicial do prazo prescricional poderia ser definido. A omissão em geral parece que geraria direito imprescritível à indenização, uma vez que se prolongaria no tempo. Haveria insegurança jurídica.
Para a omissão em si a lei já prevê conseqüências penais (abandono material e abandono intelectual) e há mecanismos legais para garantia do dever de sustento (pensão alimentícia) e da partilha (inclusive com cômputo do adiantamento da legítima).
            Veja-se que no âmbito penal não existe abandono intelectual se o outro genitor garante a educação do filho. Na esfera cível, a falta de afeto já implica na perda da guarda (art. 1.583 do Código Civil). Pode implicar até na perda do poder familiar (art. 1.638 do CC e art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
            O Juiz pode ordenar que o filho fique distante do pai que relutou a reconhecer a paternidade (art. 1.616 do Código Civil). Isso indica que o legislador reconhece que o afeto nem sempre estará presente...
            O Min. Asfor Rocha, no REsp 757.411, ponderou: “Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria "x";  se abandono por um mês, o valor da indenização seria "y", e assim por diante”.
            A resistência à paternidade, anoto, pode ter uma série de motivações que não propriamente a indiferença. Pode decorrer da dúvida fundada da paternidade; do distanciamento da mãe durante a gestação; da alienação parental; da concepção pelo pai já casado que não quer desestabilizar a outra família etc.
            Como obrigar alguém a ter afeto por outrem? O precedente pela indenização não pode motivar pais a “gostarem” forçosamente dos seus filhos, agindo como atores? Será que geraria algum benefício? Ou será que consistiria em verdadeira insegurança ao filho, que sempre ficaria na dúvida se a aproximação do pai foi ou não interessada? Será que o filho, depois da maioridade, aprovaria a iniciativa da mãe em demandar? Será que não poderia acionar a mãe pelo agravamento do afastamento causado pela demanda? Será que não devemos acreditar que sempre haverá tempo para reconciliação? E será que a ação não a inviabilizaria?
            A própria Ministra Andrighi admitiu “alto grau de subjetividade, como afetividade, amor, mágoa, entre outros, os quais dificultam, sobremaneira, definir, ou perfeitamente identificar e⁄ou constatar, os elementos configuradores do dano moral”.
O Min. Sidnei Beneti entendeu cabível a indenização quando ocorrer “tratamento discriminatório em comparação com outros filhos”. O argumento não cria precedente para um filho cobrar do pai a mesma atenção dada ao seu irmão, ainda que todos residissem na mesma casa?
            O Min. Massami Uyeda, vencido no julgamento mais recente, ponderou: “Agora, o que é a negligência no sentido do dever, do pátrio dever? Não sei. Nós mesmos, como pais, avós, temos inúmeras falhas. As crianças, os filhos, hoje, já são adultos e podem até reclamar, e até com muita razão”.
            Concordo com Sua Excelência, quando sensatamente argumentou: “Lamentavelmente, no estágio atual da evolução do ser humano, do ponto de vista de evolução espiritual, estamos muito longe ainda, no grande preceito do nosso maior de todos os Mestres, o Nazareno: ‘Amai-vos uns aos outros como vos amei’”.
A indenização pela omissão, em suma, além de indevida, a mim me parece que traria mais prejuízos do que benefícios.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Correio de Lins de 1º/9/2012)

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