Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Retrocesso - “190” centralizado

Retrocesso - “190” centralizado
         É meio complicado criticar determinada opção de alguém sem conhecer com profundidade os motivos que a fundamentaram, mas me parece que a Polícia Militar caminhou na contramão de outros serviços públicos de primeira necessidade quando decidiu centralizar o atendimento da linha 190 em Bauru(SP).
         A saúde, por exemplo, a cada dia tem descentralizado o seu atendimento justamente para poder se adequar às especificidades de cada região e de cada público.
         A Polícia Militar, ao contrário, surpreendeu a população ao tomar uma decisão sem nem ao menos, salvo engano, ter feito uma enquete a respeito da mudança procedimental que tanto tem atormentado as pessoas de bem de todo o Estado. E não me limito a falar apenas da sub-região de Lins(SP), pois as críticas são generalizadas também na Comarca de Penápolis(SP), onde trabalho. Sei que em algumas cidades o povo tem telefonado para vizinhos da PM para acionar os policiais com mais rapidez...
         Já tive o desprazer de ter de acionar a nova central de atendimento quando deparei, poucas semanas atrás, com um acidente diante da Boate Baden Baden. Avistei a motocicleta no chão, parei meu carro no leito da rua, acionei o alerta e fiz a ligação. Identifiquei-me como Juiz de Direito no intuito de tentar transmitir ao atendente maior segurança na recepção do chamado. Mesmo assim, várias foram as perguntas, a maior parte delas, desnecessária para aquele momento, já que com a chegada dos policiais todas as informações poderiam ser angariadas. Limitei-me a dizer que um automóvel tinha colidido contra uma motocicleta e que ela estava caída no asfalto, prejudicando o fluxo de veículos. E o atendente insistia em que querer saber os nomes das ruas próximas, ainda que eu explicasse que estava diante da única boate com aquele nome etc. Acabei ficando cerca de meia hora por ali e fui embora, mas não sem antes ingressar no estacionamento do Supermercado Avenida, onde supostamente poderia ter adentrado o automóvel, já que se fosse esperar pela viatura, as chances de identificação do culpado cada vez se tornariam menores etc.
         Mais recentemente, o Sr. Antonio Pimentel Cavalcante Filho (“Didi”), deficiente físico, foi brutalmente arrebatado dentro da sua própria casa, mas antes de ser sequestrado conseguiu telefonar para a namorada. O telefone 190 foi acionado. Ao ser ouvida no inquérito policial, a solicitante referenciou as dificuldades enfrentadas no acionamento e assegurou que a viatura demorou cerca de 45 minutos para chegar ao local. Não seria exagerado dizer que se o centro de operações da PM fosse em Lins(SP) a vida de “Didi”, que era tio de minha esposa e foi vítima de 34 facadas, poderia ter sido salva, pois de maneira geral, antes da mudança, o atendimento de casos urgentes sempre foi priorizado.
         Na semana seguinte um ladrão invadiu uma casa no Jardim Americano e consta que o acionamento dos policiais militares novamente foi retardado por força do novo sistema. A moradora, pelo que sei, idosa, está na unidade de terapia intensiva.
         Outras críticas espelhadas em casos concretos já foram noticiadas pela imprensa linense, o que mostra que a presente indignação não é fruto de um devaneio.
         Fui Delegado de Polícia por quase 10 anos, boa parte deles em municípios pequenos no quais muitas vezes as pessoas procuravam (e ainda procuram) os policiais nas suas próprias casas. Apoiei, com êxito, por exemplo, a instalação do telefone dentro da viatura de Guaimbê(SP), justamente para que o policial pudesse receber o chamado e entender o caso durante o deslocamento. O avanço foi significativo para a época.
         Parece certo que a centralização da central foi um retrocesso. Ouvi dizer que algumas explicações foram dadas na Câmara Municipal de Lins(SP), mas não me convenço e não vislumbro perspectiva de melhoras.
         Quando o atendente trabalha na própria cidade, ele tem condições de aferir com maior precisão a gravidade de cada caso e a idoneidade de cada chamado. Com o tempo passa até a conhecer alguns solicitantes contumazes pela voz. Após o atendimento de cada ocorrência, toma imediato contato com o desfecho e assim vai aperfeiçoando a sua forma de conduzir os colegas policiais. Na maioria das vezes mora na cidade em que trabalha e por isso se compromete ainda mais com a segurança local. Não costuma insistir na obtenção de detalhes que não interessam ao atendimento imediato, pois a mera menção ao local (Ex.: “Bar do Zé Botina”) ou à pessoa (Ex.: “Cara de Gato”) já lhe permite tomar as primeiras decisões. Tem mais facilidade para solicitar a determinada equipe que aborte o atendimento de uma ocorrência para dar prioridade à outra (não tenho confirmação, mas fala-se que isso não está acontecendo atualmente). Está mais apto até a detectar trotes.
         A Polícia Militar, instituição centenária, imprescindível e vitoriosa, que tanto tem primado pelo controle de qualidade (se adequado para receber certificados do tipo ISO etc.) e pela aproximação com o público (Proerd, polícia comunitária, campanhas beneficentes etc.), bem que poderia dar as mãos à palmatória, se desburocratizar, acabar esse “engessamento” do atendimento e retomar o velho e mais eficiente sistema descentralizado, ainda que as sedes de Comandos (CPI’s) continuassem a monitorar os atendimentos por meio de centrais de escuta “on line” e por meio do acesso “on line” dos talões de ocorrência. Não haveria qualquer prejuízo.
         Ao contrário disso, o que se vê é que a PM não tem dado ouvidos às Autoridades que desaprovaram a mudança, especialmente aos vários Vereadores de dezenas de municípios que já tentaram convencê-la da obviedade do erro que cometeu.
         Assim agindo, está se equiparando, por exemplo, a algumas operadoras de telefonia, que colecionam milhares de reclamações justamente em razão da impessoalidade que passaram a destinar ao atendimento ao seu público.
         O descontentamento tem se dissipado até mesmo dentre os operantes integrantes da corporação e também da Polícia Civil. Como tenho contato frequente com eles, soube que os primeiros, na sua maioria, vocacionados e inconformados com injustiças, têm fornecido os números de seus telefones celulares para vítimas potenciais de crimes; e que os segundos, muitas vezes dependentes do reforço da PM, em alguns casos têm lamentado o fato de a demora no atendimento estar implicando em maior dificuldade para o esclarecimento de crimes e para a reparação de prejuízos.
         Toda Administração Pública deve se pautar no princípio da eficiência que a Polícia Militar tem ferido por meio da utilização do novo sistema, o que, pelo menos em tese, pode até motivar o ajuizamento de ação judicial específica, se for o caso, até pelo Ministério Público. A diferença é que a morosidade de outros serviços na maioria das vezes só provoca aborrecimentos, às vezes prejuízos apenas materiais, e pode ser corrigida por medidas administrativas e judiciais; enquanto que a da Polícia tem implicado em prejuízos irreparáveis, cujos efeitos somente serão abrandados (nunca reparados!) por meio de muitas orações, do derramamento de muitas lágrimas e do decurso de muito tempo.
         Ressalto que muito embora o sistema de atendimento seja falho, os nossos bravos policiais militares continuam se desdobrando para suprir os erros de alguns dirigentes da Instituição. E tanto isso é verdade que se empenharam (especialmente a equipe do Sub Ten Wagner Saoncela) e que em 72 horas capturaram os dois latrocidas de “Didi”, confortando, de certa forma, a grata família.
         Mobilizemo-nos!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Cidadão linense e filho de policial militar
(publicado no Correio de Lins de 19/11/2009 e no
 Jornal Regional de 12/11/2009)