Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte I

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte I
         Recentemente fui instado a me manifestar sobre um tema dos mais controversos: deparei com pedido de alvará judicial para interrupção da gestação de um feto anencéfalo. Somente por volta da 29ª semana é que a anomalia foi constatada.
         Os requerentes sustentaram que não era o caso de a gestação ser prorrogada para a concepção de um ser inviável que faleceria ainda no ventre, durante o parto ou logo em seguida.
         O pedido foi instruído com declaração médica no sentido de que o feto apresentava quadro de anencefalia, “incompatível com a vida, pois quando nasce o feto vive em vida vegetativa e de curtíssima duração”.
         O Ministério Público opinou pelo indeferimento. Enfatizou que a proteção constitucional “não exige que a vida nascente seja perfeita ou não, seja saudável ou não, nasça em lar de cômodos recursos ou não”. Discorreu sobre os casos de aborto legal e sobre a falta de amparo legal do pedido. Salientou que a gestante não corria risco de morte. Transcreveu parecer sobre a impossibilidade do aborto eugênico de fetos defeituosos, deficientes. Mencionou que a autorização judicial interferiria nas relações sucessórias e que a lei defende os direitos do nascituro. Tratou do amor da mãe e da sua abrangência, inclusive, pela prole defeituosa.
         Talvez se eu fosse ateu não teria pensado um pouco na solução que deveria dar o caso, pois é inevitável que a religiosidade imponha ao julgador alguns conflitos quando o assunto é o aborto, seja ele de que natureza for. Mas sou um técnico e como tal decidi...
         As discussões jurídicas não raramente envolvem argumentos religiosos que se não as tornam intermináveis, pelo menos as prorrogam muitas vezes por tempo superior ao necessário para que os conflitos de interesses e a pacificação social sejam atingidos.
         Prova disso é que a discussão sobre a ilicitude ou não aborto do feto anencéfalo já perdura por mais de quatro anos na mais alta Corte judiciária brasileira quando, ao que parece, sem prejuízo da diversidade de opiniões e da complexidade do tema, já poderia ter sido resolvida, notadamente se, com o devido respeito, não tivessem sido admitidas tantas intervenções de segmentos religiosos, os quais, acredito, pouco contribuirão para o deslinde da questão.
         A Ação Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54/DF foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) com o objetivo de declarar não-criminosa a interrupção da gestação do feto anencéfalo.
         Em audiência pública, o Sr. Ministro de Estado da Saúde, José Gomes Temporão, disse que cabe à mãe a interrupção ou não da gravidez nos casos de fetos anencéfalos. “O Ministério da Saúde defende essa garantia fundamentado, entre outras razões, na dolorosa experiência de manejo de situações em que mães são obrigadas a levar sua gestação a termo mesmo sabendo que o feto não sobreviverá após o parto”, argumentou.
         Tenho acompanhado os debates e me parece que os elementos de fato importantes têm sido trazidos por entidades médicas ouvidas durante as várias audiências públicas. As demais entidades e organizações, por sua vez, têm escorado alguns pareceres desfavoráveis ao abortamento em argumentos um tanto quanto populares, excessivamente religiosos e pouco técnicos, com o devido respeito, como já disse, inúteis à solução do impasse.
         Tratei, na decisão, da definição de morte; da disciplina dos transplantes; do conceito de morte e da proteção da saúde da gestante (comparada por um parecerista a um “caixão ambulante”) para, ao final, conceder o alvará, conforme passarei a discorrer...
         A complexidade do tema não me permitiu resumir como pretendia a exposição.
         (confira a próxima edição)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito de Cafelândia(SP)
(publicado no Correio de Lins de 30/4/2009)