Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Algemas: “mal necessário”

Algemas: “mal necessário”
            No último dia 9 um réu sem algemas tentou agredir juiz durante seu julgamento pela prática de homicídio. O fato ocorreu na 1ª Vara Criminal de Campos dos Goytacazes. O acusado estava sem algemas por causa da súmula do Supremo que restringe o uso delas. Os policiais tinham advertido o Juiz sobre o risco. Depois do incidente, relatou o Magistrado: “Ele se levantou com o microfone na mão e partiu em minha direção como um louco, desferindo um golpe contra a minha pessoa, vindo a atingir a mesa por mim ocupada, quebrando o copo d'água e derrubando tudo, momento em que foi contido com muita dificuldade por nada menos do que cinco policiais” (Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=4276>. Acesso aos 14 jun. 2009).
            Eis o inteiro teor da Súmula Vinculante 11 do egrégio Supremo Tribunal Federal: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
            Muito já se discutiu sobre a falta de regularidade formal na edição da súmula, mas esse não é o objeto desta abordagem.
            Em recente julgado de pedido que pretendia anular o processo em razão do uso das algemas (Reclamação 6.919) o Min. Joaquim Barbosa lembrou que o precedente determinante que levou à edição da súmula (HC 91.952) discutia o emprego do uso das algemas em sessão de julgamento do Tribunal do Júri, “considerando a influência que referida constrição poderia produzir sobre o veredicto dos jurados”.
            Mesmo no plenário do Júri pode haver uso de algemas se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes (art. 474 do Código de Processo Penal).
            Deixando de lado discussões puramente acadêmicas, algumas delas, com o devido respeito, fruto do devaneio de pretensos defensores dos direitos fundamentais que não frequentam audiências e outros ambientes juntamente com réus presos e nunca se expuseram aos riscos, é evidente que o uso das algemas, na prática, é bem-vindo.
            Por ocasião da aprovação da súmula, o Procurador-Geral da República Antonio Fernando Souza manifestou a sua preocupação com o efeito prático, entendendo que poderia servir como elemento desestabilizador do trabalho da polícia. No mesmo sentido, o Ministro Cezar Peluso reconheceu que o ato de prender um criminoso e de conduzir um preso é sempre perigoso. Por isso, segundo ele, “a interpretação deve ser sempre em favor do agente do Estado ou da autoridade”.
            Com a devida vênia, a polêmica é exagerada. Ora, para que o indivíduo responda preso ao processo, ou foi autuado em flagrante delito (e não fez jus à liberdade provisória) ou teve decretada em seu desfavor a prisão temporária ou a prisão preventiva. Para a decretação da temporária deve haver fundadas razões de autoria ou participação em crimes graves que a Lei 7.960/1989 elenca. A decretação da prisão preventiva, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, requer prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (art. 312 do Código de Processo Penal). A maciça maioria dos réus responde em liberdade. Todos sabemos que até ser condenado, todo réu deve ser considerado inocente. Ainda assim, não vejo motivo para exigências adicionais para o uso de algemas. Ora, se o indivíduo, por decisão fundamentada, perdeu a liberdade antes da condenação, não há porque não possa ser algemado. É um contrassenso exigir algo mais do que a custódia.
            Sempre entendi que o constrangimento alegado por alguns é proporcionalmente pequeno se comparado aos riscos decorrentes de fugas e resgates que, não raramente, envolvem a utilização, em público, de armas de fogo. O uso de algemas certamente tem o condão de inibir tais práticas ilícitas.
            Nas sessões do Tribunal do Júri que presidi, fiz questão de lembrar os Jurados que o fato de o réu estar algemado não deveria interferir na votação. Aliás, o próprio Código de Processo Penal estabelece que “durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – (...) à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado” (art. 478).
            Tenho feito constar nos termos de audiência que o preso foi mantido algemado em razão do fundado receio de fuga e de “resgate”, e do risco que qualquer dos incidentes poderia causar à integridade física dele, do seu defensor e de qualquer dos presentes. Tenho ressaltado, por exemplo, que a Cadeia Pública de Getulina já foi alvo de resgate de presas que eram tidas como de reduzida periculosidade, o que sugere que qualquer escolta envolva riscos; seja porque o sonho de qualquer preso é alcançar a liberdade; seja porque não se pode prever o que se passa na sua cabeça e na mente dos familiares; seja porque não se sabe como reagirá durante os depoimentos; seja porque as pessoas presas não gozam, na sua plenitude, dos mesmos direitos dos demais cidadãos. Por fim, tenho consignado que exigir notícia concreta de risco implicaria em inviabilizar o uso de algemas e colocar os presentes à mercê de ações criminosas, o que não se deseja e não se recomenda.
            Em suma: ainda que as algemas possam ser consideradas por alguns como um instrumento humilhante, o seu uso na maioria das vezes no máximo deve ser considerado um “mal necessário”. Concordo, todavia, que não deve haver exposição vexatória do preso, mas isso é perfeitamente evitável se houver boa vontade das Autoridades.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Correio de Lins de 16/7/2009 e
no Jornal Regional de 8/7/2009)