Expressões diferentes em demandas judiciais
No exercício da Magistratura eu tenho colecionado expressões redigidas com termos e formatos pouco usuais, algumas, pitorescas.
Já houve que sustentasse “atempramento da recorrência” apenas para dizer que o recurso não foi manejado no prazo.
Os Códigos recebem variados nomes, inclusive “pergaminho de ritos”.
A decisão liminar já foi referenciada como aquela prolatada “longe dos holofotes do contraditório”. Mais do que a “fumaça do bom direito” (requisito jurídico), já se sustentou o “incêndio do bom direito” para enfatizar a urgência.
Já se abusou da língua estrangeira (cujo uso é vedado pela legislação), ao se afirmar: “Pretende o autor que se lhe sejam fixados, como num “coup de magique”, danos morais...” (golpe de mágica).
A natureza sempre é fonte inspiradora. O sol é o campeão de menções: “causa estranheza nesse subscritor o nobre autor, mesmo claro como a luz solar, diante da escritura...”. Já se falou do mar: “os fatos [...] comprovam oceanicamente que a negligência e a desídia para com a autora...”. A terra não tão firme foi citada: “esta ação sedimentada na malícia está fundada em areia movediça”. Certa vez se ponderou que “o que não está escrito o vento leva” para se rebater tese de que teria havido contrato verbal num certo sentido. E também que “a ré não juntou nenhum documento que comprovasse as suas alegações, portanto não passam as mesmas de meras conclusões ‘catadas ao vento’”.
O mundo animal não ficou de fora: “Como a autora colocou o carro na frente dos bois, fato que deve ser repudiado por Vossa Excelência...”; “falar até papagaio fala! O duro é provar o que se alega a respeito de outrem”.
Um Advogado alegou “desintencional cochilo da sua parte” para justificar uma falha.
Uma petição foi ofertada por parte que se dirigiu à “dilúcida presença de Vossa Excelência para...” (dilúcido = lúcido, claro).
Em vez de “licitação”, já se fez referência a “conclave”; em vez de “síntese”, já se falou em “epítome”.
Termos técnicos às vezes não são pesquisados: “A durabilidade de tempo de vida dos espermas do autor é pequena” (esperma é o líquido que contém os espermatozóides).
Há expressões que de tão rebuscadas se tornaram engraçadas: “Os plúmbeos argumentos trazidos pela autora não refletem a real luz da exatidão”; “feita essa preleção introdutória do espanque, ponto-a-ponto, formula-se o açoite” (ou seja, passa-se à defesa).
Em ações penais muitas vezes surgem argumentos nada técnicos que não contribuem para os desfechos, mas retratam apenas desabafos: “não será a condenação desses dois pobres coitados que farão cessar toda sorte de irregularidades que ocorrem por todos os Detrans do Brasil” (sic). Houve quem tentasse sensibilizar o Magistrado, reclamando de estar “recolhido a um dos cubículos da cadeia pública desta cidade”.
Por falar em crime, já li que “o embargante atira para todos os lados, como se fosse uma metralhadora descontrolada”.
Referindo-se ao fato de o Ministério Público ter ajuizado ação de improbidade, a defesa fez questão de asseverar: “ninguém provocou oficialmente o Promotor Público [...] de modo que a provocação certamente foi como se costuma dizer na gíria ‘de orelhada’”.
Equipamentos já foram criados pela imaginação de bacharéis: “Na verdade o cálculo – fls. 19 – demonstra isto sim que para se chegar aos 297 Kwh foi utilizado o chamado, no popular, “computador tupiniquins” ou “chutômetro”.
A versão de uma ré já foi classificada pelo acusador como “papainolesca”...
E como a criatividade do ser humano é inesgotável, brevemente haverá mais a relatar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
twitter.com/adrianoponce10