Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Maconha não é entorpecente

(Obs. Atualmente o assunto é tratado pela Lei Federal 11.343/2006)
         A Lei Federal nº 10.409/2002, na sua ementa (resumo que explica a finalidade), menciona que adveio para dispor “sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícito de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo Ministério da Saúde”. Ela foi editada para ocupar o espaço da Lei Federal nº 6.368/1976, mas como o capítulo que previa crimes foi vetado, ambas as leis coexistem na nossa legislação. Em linhas gerais, a Lei 6.368 prevê os crimes e a Lei 10.409 regulamenta, dentre outras coisas, o procedimento que deve ser seguido para a apuração.
         A Lei Federal nº 6.368/1976, na sua ementa, mencionava “medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinam dependência física ou psíquica”.
         Os meios de comunicação e por vezes profissionais de carreiras jurídicas e policiais cometem alguns equívocos que podem ser facilmente sanados.
         O mero uso de drogas não configura crime. Não se pode, por exemplo, através do resultado de um exame laboratorial, incriminar alguém porque foram constatados vestígios do uso de drogas no seu sangue. O uso implica em conseqüências físicas pessoais. Pelo menos em tese, não implica riscos para as demais pessoas (quando alguém pratica algum crime sob o efeito da droga, em regra responderá por esta prática). O que se combate é o porte indevido das substâncias, diante dos riscos que acarretam à coletividade (o porte possibilita o repasse gratuito e a mercancia e, conseqüentemente, contribui para a disseminação do vício etc.). Por isso, ninguém é preso por “uso”, mas pelo “porte” da substância.
         Outro grande equívoco é dizer que “fulano que transportava maconha foi preso por porte de entorpecente”.
         A Lei 10.409, como se percebe, na sua ementa, refere-se a “substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica”, e não menciona mais diretamente as “substâncias entorpecentes”, espécies das primeiras. Acertadamente fala em “controle”, pois há substâncias que não são absolutamente proibidas, mas que até podem ser prescritas como remédios através de receituário próprio e venda controlada (normalmente para o alívio da dor – como a morfina - ou de tensões emocionais).
         Como já dito, a mesma Lei 10.409 atribuiu ao Ministério da Saúde a atribuição para relacionar as substâncias controladas. Previsão semelhante já integrava a Lei 6.368.
         Há, portanto, substâncias que causam dependência física ou psíquica de uso totalmente proibido, e outras de uso controlado, como a morfina. Em alguns casos elas são usadas como medicamentos porque são as únicas que diminuem o sofrimento da vítima (o uso é um mal necessário, pois muitas vezes os pacientes tornam-se dependentes).
         O rol das substâncias encontra-se estampado na Portaria nº 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (atual Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa).  A Lista “F” prevê as “substâncias de uso proscrito [proibido] no Brasil”. Ela se subdivide em Lista “F1”, que trata das substâncias entorpecentes; Lista “F2”, que trata das “substâncias psicotrópicas”; e Lista “F3”, que trata de “outras substâncias”.
         Dentre as substâncias entorpecentes foram incluídas a “cocaína” e a “heroína”. O “crack” nada mais é do que um subproduto da cocaína.
         Na lista de substâncias psicotrópicas encontram-se o “cloreto de etila” (“lança-perfume”) e o “THC – Tetraidrocanabinol”.
         O “Tetraidrocanabinol” é uma substância que em regra integra a maconha. Normalmente é o princípio ativo da “Cannabis sativa L”, nome científico da maconha. Por que “normalmente”? Porque a maconha velha pode vir a perder o princípio ativo e sua posse será atípica, ou seja, não configurará crime. É por isso que quando uma porção de maconha é apreendida, ainda que a Polícia, que já conhece a erva, tenha certeza de que se trata de “Cannabis sativa”, é obrigada a submetê-la a um exame laboratorial para confirmar a presença do THC.
         Desta forma, duas são as conclusões:
         a) nem sempre trazer maconha consigo configura crime, pois em algumas situações excepcionais o princípio ativo “THC” pode não estar presente, e é justamente o “THC” que a lei elenca como substância proibida;
         b) maconha não é entorpecente, mas psicotrópico. Os efeitos de um e de outro no organismo humano são bastante diferentes.
         Na prática, as conseqüências legais para a posse do entorpecente ou do psicotrópico são as mesmas, mas é sempre interessante sabermos a origem e o significado do que dizemos para nos aproximarmos, tanto quanto possível, do complexo vocabulário técnico que a profissão exige.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Delegado de Polícia de Guarantã(SP)

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