Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

1 de set. de 2012

Metamorfose ambulante

Metamorfose ambulante
         É interessante observar como a sociedade vai se adaptando aos novos tempos... E é extremamente saudável que revisitemos nossas impressões sobre os mais variados temas, até mesmo para mantermos as que entendermos realmente acertadas.
         Um antigo fundo de comércio linense ainda conta com uma placa que diz: “FUMAR AQUI... TOLERAMOS SOMENTE ÁS PROSTITUTAS, HOMOSSEXUAIS, CÔRNOS E FILHOS DA P...” (sic).
         Pelo tom amarelado do papel, o recado é bastante antigo. Foi elaborado na época em que um percentual muito maior de pessoas fumava, e fazia isso em qualquer lugar. Naquela época imperava a intolerância às prostitutas e homossexuais, tanto que por meio da placa o seu autor quis dizer que se alguém fumasse na loja, seria ou prostituta, ou homossexual, ou “côrno” ou “filho da p...”. Colocou todos numa vala comum porque os primeiros termos retratavam xingamentos. E, na verdade, muito embora “filho da p...” seja conhecido xingamento, ser filho de prostituta, pelo menos do ponto de vista legal, não é demérito, pois o exercício da prostituição não é crime.
         Passadas algumas décadas, a legislação evoluiu e os fumantes, via de regra, já não perturbam os não-fumantes. Mais importante do que a legislação foi a crescente conscientização que visivelmente atingiu aquele grupo. Quando as leis mais recentes surgiram, alguns entenderam que os fumantes foram tratados com rigor excessivo, que teriam sido alvos de verdadeira segregação etc., mas na prática isso não aconteceu. E eles finalmente entenderam que ninguém queria tirar a sua liberdade de fazerem o que quisessem, mas precisavam conciliar essa liberdade com o respeito ao próximo. Veja-se que a existência de leis antigas (como as referenciadas nas portas do ônibus) não impedia ninguém de fumar em local proibido. A edição de leis novas somente surtiu efeito porque a forma de pensar foi remodelada. Daí a importância de sempre refletir sobre temas polêmicos, de analisar detidamente opiniões contrárias.
         No que tange às prostitutas, as Autoridades constituídas passaram a tratá-las com mais respeito. Entenderam que elas apenas exercem atividade que pode muito bem ser desenvolvida sem prejuízo aos costumes. O Poder Público implantou programas especiais de saúde em favor delas, indo ao seu encontro para orientação preventiva. As pessoas têm compreendido que no grupo (como acontece em qualquer grupo) pode até haver criminosas (que em alguns casos furtam ou enganam os clientes e protagonizam atos obscenos), mas que a maioria das prostitutas faz o que faz mais por necessidade ou opção do que para infringir a lei. Elas passaram a receber destaque positivo nos meios de comunicação e recentemente até um filme sobre a vida de uma prostituta fez sucesso. Grifes que enfocam o modo de se vestir do grupo foram lançadas. E ao final da reforma penal em andamento é possível que o favorecimento à prostituição deixe de ser crime, ou seja, que se reconheça a licitude do “negócio” que trata da prostituição como mera prestação de um serviço. Quem defende a descriminalização do incentivo à prostituição embasa sua fala na crescente tolerância social... Não estou firmando posicionamento a favor e nem contra, mas o fato é que essa evolução tem a ver com a intenção de se deixar de lado a influência exagerada do moralismo na criminalização de condutas.
         Por fim, os homossexuais já estão se casando (inclusive já decidi a favor do casamento); recebendo pensão por morte dos companheiros; sendo atendidos por planos de saúde titularizados por companheiros; partilhando bens adquiridos por esforço comum; adotando crianças etc. Isso é irreversível. Casos de violência física têm sido mais raros. O preconceito e a discriminação, ainda que se enfraqueçam, sempre existirão, mas o que importa é que a sociedade gradativamente está se acostumando com a presença e a opção de vida dos homossexuais. E tenho a impressão de que eles estão agindo de forma a se fazer respeitar mais.
         Guardadas as devidas proporções, o vem acontecendo é uma mudança de mentalidade muito positiva. As pessoas estão se convencendo de que o pressuposto máximo do exercício das liberdades individuais é exercitá-las respeitando outras liberdades. Ainda que algumas providências tenham tardado e muita coisa ainda possa ser feita para a convivência mais harmônica das liberdades, as diferenças, doravante, passarão a ser cada vez mais respeitadas. Outros grupos também passarão a ser mais bem compreendidos. E a generalização está démodé.
         Tomara que as pessoas continuem nessa “metamorfose ambulante” tão anunciada por Raul Seixas, deixando de lado aquela “velha opinião formada sobre tudo”...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no Correio de Lins de 8/8/2012 – p. 4)