Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

2 de set. de 2012

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte II

Anencefalia e interrupção da gravidez – parte II
         A literatura médico-legal costuma traçar uma cronologia das definições de “morte” já divulgadas pelos estudiosos e, por incrível que pareça, há dezenas delas e o tema não está (e parece que nunca estará) pacificado.
         Isso porque a morte, como ensina Genival Veloso de França: “Não se pode atualmente aplaudir a idéia de que o corpo só pode estar em dois estados – de vida ou de morte –, pois é sabido que a morte se produz por etapas sucessivas, em determinado espaço de tempo, e por isso, ela não é simplesmente um momento ou um instante, como defendem os espiritualistas, mas um verdadeiro processo” (Medicina Legal. Rio de Janeiro : Ed. Guanabara Koogan, 6ª ed., 2001, p. 308 a 311). Prossegue o renomado legista: “(...) cobra-se uma maior reflexão sobre um novo conceito de morte, quando as cirurgias de transplantes tornam-se uma realidade técnica e quando as condições atuais permitem prolongar por muito tempo uma vida atrás de meios artificiais. Por outro lado, não é justo que se tenham dois conceitos de morte: um, de caráter utilitarista e pragmático, para satisfazer os interesses da transplantação; outro, de caráter protocolar, para proveitos de ordem estatística e sanitária. É necessário, pois, que se tenha, para qualquer interesse, um só conceito de morte, de tal forma que tudo seja colocado em seu justo limite: no benefício da sociedade e no respeito incondicional da dignidade humana. (...) Atualmente, a tendência é dar-se privilégio à avaliação da atividade cerebral e ao estado de descerebração ultrapassada como indicativo da morte real”. Enquanto leciona sobre a morte cerebral, invocando conclusões que vêm sendo divulgadas desde 1968, o autor menciona que a morte cerebral se baseia na cessação da atividade elétrica do cérebro. Revela que a Associação Médica Mundial, por meio da Declaração de Sidney, em 1968, estabeleceu: “A dificuldade é que a morte cerebral é um processo gradual de nível celular, já que a capacidade dos tecidos de suportar a falta de oxigênio é variável”. Esclarece que: “A tendência é aceitar-se cada vez mais a ‘morte encefálica’, traduzida como aquela que compromete de forma irreversível a vida de relação e a coordenação da vida vegetativa; diferente, pois, da ‘morte cortical’ que apenas compromete a vida de relação, mas o tronco cerebral continua a regular os outros processos vitais como a respiração e a circulação sem a ajuda de meios artificiais”. E arremata: “Acreditamos ter-se chegado ao momento de se elaborar um razoável conceito ético de morte, desde que os critérios médicos para sua avaliação sejam simples, objetivos, transparentes, universais e acessíveis. E que se entenda que o momento da morte não pode ser objeto de diagnóstico porque ele não é evidente nem avaliado. Mas pode-se determinar a morte desde que se possa confirmar a ausência de sinais de vida organizada. Esta determinação também não pode estar na morte de um órgão, mesmo sendo ele indispensável, senão na evidência de sinais claros que indiquem a privação da atividade vital como um todo e, se possível, registrados em instrumentos confiáveis. Resumindo: o fato de um indivíduo, com privação irreversível da consciência, manter espontaneamente a integração das funções vitais (respiração e circulação), demonstra que é uma pessoa viva. Tal afirmativa, no entanto, não é o mesmo que manter tecnologicamente um simulacro de vida, prolongar artificialmente um sofrimento ou insistir no medacalismo obstinado da medicina fútil”.
         Entendi que o estudo da morte era imprescindível à decisão sobre a interrupção da gravidez.
         (confira a próxima edição)
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito de Cafelândia(SP)
(publicado no Correio de Lins de 2/5/2009)